sábado, 23 de março de 2013

Muda Musa


Depois de cinco torturantes horas 
papel na mão, mão na caneta, caneta no papel,
sem letras, sem motivos,
branco, branco, branco,
de tão inconformado rumo,
cansei e fui tomar cerveja.

E eis que após o patati patata com os amigos,
esporte clube bebuns da esquina,
me surge a musa,
desnuda, descabida, enfeitada,
sorrindo toda abusada.

- Vim lhe trazer o encanto!

Agora senhora! Agora malvada!
Depois do tanto que juntei palavras xoxas,
rimas fracas, frases que mereciam um tapa!

- Sim, agora, pede espaço para os compadres,
  o lápis para o garçom, alguns guardanapos e vamos as maravilhas!

Moça, apesar do seu manequim
casar com meu desejo,
e ter ainda alguns lampejos de consciência,
saiba que não sou trabalhador de toda hora,
existem regras para isso.

Tem a hora de comer, beber, deitar para sexuar,
deitar para dormir, a hora chata do banco,
rezar para ter garantias, a hora do chefe, do cinema,
da prima, da tv, do bate bola,
tem hora para tudo, tudo tem sua hora.

- Gajo, não me enrola, clamou eu vim,
  meu relógio segue a hora mágica,
  para os poetas a poesia tem deferência
  e preferencia sobre todas as outras coisas humanas.

Engano seu doce mula .... MUSA...perdão MUSA,
a poesia agora espera na fila enquanto baixa o vídeo no youtube,
petisca nas fases que caem o game via net, 
rabisca enquanto ainda não lançaram o novo mangá,
ou arrisca quando esta chovendo demais
para dadaisar o muro alheio.

A poesia é agora um exercício valendo nota 
de professores rotundos do ginasial,
deixou de ser a tempos 
a voz que se espalhava pelo mundo,
transmitindo a verdade que não queria calar,
transformando seres plásticos em vivas almas
coloridas, acaloradas, rejuvenescidas.

A poesia agora é mais um oficio,
bate ponto, tem inicio, hora do café, almoço,
preenche relatórios, lança em gráficos,
powerpoint animado, vende, compra,
paga o rombo dos cartões de crédito,
perdeu seu encanto, romantismo, antigo mérito...

E enquanto contava
o rumo atual da poesia,
falando e falando,
motivado não pela musa
mas pelo mé,
a formosa foi se apagando,
calada e preterida.

Ai num dado momento me percebi novamente sozinho,
em meio ao burburinho, garçons, habitués,
a mão no copo, o copo na mão, a mão na mesa,
a mesa no bar, o corpo saindo pela porta,
através das pessoas, através do tempo,
o corpo indo, livre, o corpo poetisando.


San, 22/02/13