domingo, 17 de março de 2013

Estou viva em teu corpo



- As mulheres da nossa família
não tem voz!

Dizia minha avó
sempre que eu queria saber
porque sofria assim,
sofria tanto
a tanto tempo,
por tanta coisa,
de tantas formas.

Então eu me calava,
porque as mulheres da família
não choravam, não falavam,
não questionavam,
elas saiam a rua
e iam em busca de suas vidas.

Caladas trabalhavam,
caladas pariam,
caladas eram espancadas,
caladas criavam os filhos,
caladas faziam o pão,
caladas amavam seus homens,
caladas morriam.

Mas as palavras continuavam ali,
as perguntas continuavam ali,
as cancões eram cantadas
de outras formas,
as histórias eram contadas
por outras vias.

E assim meu corpo se tornou um livro,
nascendo redondas letras a cada semana,
formando palavras a cada mês,
frases a cada ano,
se espalhando formas,
lembranças, narrativas, lendas.

Um mapa de todos caminhos,
rabisco de todas palavras
não verbalizadas,
som de todas vozes perdidas,
retrato de todas mulheres
sacrificadas.


San, 18/03/13