Hoje mais se escreve
no computador,
coisa sem graça escrever
num teclado plano,
cinza ou preto,
uma especie de tábua
em que podemos colocar
e retirar as palavras,
fazer ou guardar para depois,
mandar rapidamente
para os amigos,
em ficticios envelopinhos
que caminham da grande caixa
por de fios, conexões, bits, nuvens.
Os diários são digitais,
não mais folhas pardacentas
amarradas por grossos cordões,
envoltas em capas de couro
e não trazem mais
surpreendentes descobertas,
secretos desejos,
faltas não ditas,
porque nada no agora
é verdadeiramente surpreendente,
nada é escondido,
exclusivo,
secreto ou segredo,
tudo é revelado como um show,
uma brincadeira entre amigos,
tudo é aberto,
exposto, martelado, mastigado,
visto por quem desejar.
Conhecimento da lingua
não é mais necessário,
nem ao menos boas
e novas idéias,
é possivel ter sucesso
e ser reconhecido
apenas reproduzindo,
incansavelmente,
coisas bobas
que já estão circulando por ai,
coisas que ninguém sabe
de onde veio
mas que servem para preencher
espaços vazios,
dar a impressão de ter algo,
não é preciso ter nexo,
as ridiculas são as melhores.
Então por isso determinei
que meu ultimo ato de vida
será escrever,
quero ser abraçada pela morte
com a pena em punho,
vacilante,
sujando a folha
com meu suor frio,
deixando para trás
minha ultima poesia,
a perfeita, a chave, o ápice.
E que isso não seja filmado,
fotografo, postado,
dividido com mais ninguém,
cairá uma última árvore,
silenciosa,
numa floresta
desconhecida.
San, 01/02/13