quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Busca


Meu espírito tão pobrezinho
vive virando lixo,
obsessivo,
procura objetos amados
que foram perdidos,
e quando os encontra
os segura louco de contentamento
como se fosse mesmo ele
a pessoa que o perdeu.

De posse do seu tesouro
dá uma risada esganiçada,
solta uma lagriminha,
volta seus olhos em mudez
para os céus
como um agradecimento profundo,
e novamente se volta
a sua tarefa sem fim
e sem finalidade,
de acordo com minha mentalidade,
de revirar o lixo.

Um dia,
como que para testá-lo,
joguei meu livro de cabeceira no lixo,
ele mal se percebeu,
soltou um leve suspiro 
e mudou de direção,
fiquei encafifada.

Joguei fora uma escova de dente,
um pratinho de porcelana,
um meia de lã,
um gorro,
quatro poesias,
algumas fotos da família,
uma estatua de buda de madeira 
provavelmente da Tailândia,
um diário de menina,
algumas cartas de amigos recebidas,
nada lhe interessava.

Então ressabiada
entrei no lixão,
munida com sacos de lixo,
de pá na mão,
resolvida a dissolver o habitat
pernicioso
que meu espirito estava inserido
por sua loucura descabida.

Depois de horas de limpeza
encontrei um lenço de papel amassado
com marca de batom,
como que beijado,
e um telefone anotado
na beirada
em letras mirradas.

Teria ele ou ela telefonado
para ela ou ele?

Foi encanto, desespero, 
amor ou somente tesão
a motivação
de tal bilhete?

Interrompida minha tarefa
fiquei ali sentada matutando
na vida que existe em toda parte
anônima, intensa, vibrante
e de repente senti ao meu lado
meu espirito errante.

- Achou algo especial?

Ele me pergunta.

- Não sei, talvez!

Eu lhe respondo.

Então saímos juntos,
abraçados,
segurando o velho e sujo 
lenço de papel beijado,
tocados pela vida
soprados pela esperança
envolvidos pela alegria.


San, 20/02/2014