sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cartas para minha mãe


Você deveria ter me protegido!

Você deveria ter me ajudado!

Você deveria ter me desejado!

Você deveria ter ao menos me suportado!

Eu lhe odeio 
por não poder ser
o eu queria.

E lhe odeio muito mais
por se exatamente 
o que eu precisava.

Pare a musica!

Cesse o choro!

Guarde o dedo!

Interrompa a palavra!

Por muito tempo quis acreditar
que poderia ter sido 
muito melhor
para mim

Nunca pensei 
no seu tormento,
na sua auto ausência,
na vida dormente
incolor
descrente
insipida
que você vivia
e nas coisas
que você sentia

Eu deveria ter lhe protegido!

Eu deveria ter lhe ajudado!

Eu deveria ter lhe desejado!

Eu deveria ter ao menos lhe suportado!

Eu lhe perdoo 
por não poder ser
o que eu queria.

Eu lhe admiro por aceitar
ser exatamente 
o que eu precisava.



San, 23/10/2015

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Sei que você não pode compreender isso também


Eu odeio sentir saudades,
fazer planos futuros,
relembrar bons momentos,
desejar sua presença,
lamentar sua ausência.

Eu odeio ter sentimentos especiais por alguém,
mesmo que esse alguém seja você.

Eu odeio me sentir excluída,
esquecida, abandonada, enganada,
mas igualmente odeio me sentir especial,
essencial, desejada, lembrada, amada.

Odeio ter uma história intensa,
envolvente, rica, importante
com alguém.

Sei que isso é bem confuso
não somente para você
ou outra pessoa de fora
mas inclusive para mim.

Mas eu convivo a milênios 
com esse sentimento
e aprendi a aceitar
a onipresença da ojeriza
em necessitar de alguém.

É tão complicado estar humana!



San, 22/10/2015

Every day


Mesmo desalinhada, 
em pânico,
despreparada,
atolada numa vida pântano,
SE AME!

Tão difícil é conseguir amor sincero
da família, amigos, companheiro,
complicado esse jogo envolvente
de amor-tira-concede,
então
SE AME!

Na pior hora, 
no momento mais inconveniente,
inacabada, não perfeita,
totalmente irrealizada,
SE AME!

Entre sete bilhões
seja um 
que faça realmente
a diferença,
SE AME!

E quando se permitir
esse direito,
quando realizar esse feito,
aquelas peças estranhas
do quebra cabeça
todas se encaixarão,
e a vida não sera nada além senão
um doce abraço
acontecendo a cada dia.




San, 22/10/2015

Shut up



Sinceramente
em certos momentos
a melhor coisa a fazer
é ficar de boca calada.

Não tente consolar,
não tente explicar,
não tente doutrinar,
não tente entender,
apenas fique
de boca calada.

Sei que o ego 
complica tudo,
a moralidade da carochinha,
os conceitos sem conserto,
a dó fantasiada de ajuda,
o complexo de sabe-tudo,
o psicólogo enrustido,
e quando as palavras saem 
cuspidas por essas deturpações
nada resolve,
tudo é revolver.

Apenas esteja presente,
sem análises,
sem promessas,
sem frases feitas,
sem lugares comuns,
faça um grande favor
fique de boca calada.




San, 22/10/2015

Sem proteção


Odeio escadas,
mesmo aquelas pequenas de casa,
aquelas que usamos para trocar a lâmpada
ou pegar algo na parte de cima do armário,
mesmo essas eu não gosto.

No quarto degrau já sinto tonturas,
minha mente é invadida por imagens dolorosas, 
bacia quebrada, pescoço torcido, pinos na perna,
olho furado, cabeça rachada, dentes arrancados.

Odeio escadas!

Imagine então as escadas imensas,
inclinadas, escarpadas, escorregadias, 
irregulares, esburacadas, tortas, precárias,
que encontramos invariavelmente
 nos templos antigos.

Essas acredito que já foram feitas assim,
perigosas, difíceis, assustadoras, cansativas,
para testar os neófitos e interessados 
e afastar os mundanos e preguiçosos.

Pois pensava aqui comigo agora
que existem vidas escadas,
vidas que por mais que você tente
elas serão sempre complicadas,
um teste de paciência,
um exercício de perseverança,
um treinamento em resiliência,
um pé na bunda bem dado
para você chegar mais longe.

Odeio ainda mais escadas!



San, 22/10/2015

Relevante


Meu ponto G esta na centésima página
de um livro de 400 folhas,
quando de repente
tudo começa realmente
a fazer sentido,
e eu consigo me antecipar
ao que esta acontecendo,
então todas as outras sensações,
ou desejos,
 ou necessidades,
ou pensamentos,
desaparecem
e eu estou ali,
completamente ali,
satisfeita e direcionada,
mesmo ainda dentro 
do desfigurado 
mundo real.

Essa sensação
dura muitos mais 
do que meus orgasmos
que costumeiramente
são breves e indelicados
como um espirro.

Sim, eu catalogo os prazeres
pelo nível de duração e intensidade.

Entre os primeiros esta algo como
uma pizza de mussarela quentinha,
de bordas grossas,
com bastante tomate fatiado por cima
e pedacinhos de alho,
num dia de muita privação.

Lá pelo final esta o beijo na boca,
principalmente se fui pega de surpresa,
abraços também não são agradáveis para mim,
assim como alguém me oferecer colo,
ou aquela mania de se cumprimentar
com beijinhos no rosto.

Também próximo ao topo
é estar simplesmente sentada
ao lado de alguém que gosto,
assistindo um filme
que quero muito,
ambos em silêncio,
apenas trocando sorrisos
nos momentos mais emocionantes.

Compartilhar poesias,
trocar livros,
ganhar sabonete líquido,
olhar um quadro
e dividir as sensações,
deitar juntos na rede,
meditar lado a lado,
andar com os cachorros
num parque,
tudo isso é extremamente 
prazeroso
para mim,
assim como poder dar algo,
algum presente,
alguma ajuda,
uma palavra boa,
a alguém que precisa muito,
isso está no TOP 10.

Meu ponto G 
não é algo imaginário,
imponderável,
duvidoso,
é factual,
concreto,
relevante.




San, 22/10/2015

Sei que você não pode compreender isso


O ar passa por mim
sem que eu o sinta
sou parte dele
assim como parte
da paisagem

me desestruturo 
a cada contato
uma flor, um pássaro,
o sol, uma árvore,
uma pessoa caminhando

mudo de forma
tenho outro sentir
me fatio
expando
retraio
levanto
caio

dali a pouco me grudo
em algo conhecido
e volto a minha forma
por alguns minutos ou horas
antes da próxima
metamorfose




San, 22/10/2015

Eu não


Do lado de fora há tanto silêncio
toda a natureza em suspense
nem o assovio do vento
nem ao menos um latido
tudo placidamente contido

Do lado de dentro bolhas estouram
suspiros, soluços, choros, lamentos
toda forma de acorde se forma
e se entrechoca em ríspidos ruídos

A palavra não dita mas sentida
o sentido não acatado e delimitado
mas que em algumas momentos vaza
pela porosidade da tensão constante

Então preciso quebrar todas as coisas
que podem ser quebradas 
para combinar comigo

Então preciso calar todas as coisas
que se aquietam a custa da dor
que eu mesma sinto

Essa é a paz que eles construíram
a verdade engolida
o sorriso pronto
o medo de ser não querido

Tudo está bem papai?

Tudo esta bem mamãe!

Eu não estou mais aqui
eu não estou mais
eu não estou
eu não 
eu 





San, 22/10/2015 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Moby Dick


Tenho navegado a anos em tantas letras
procurando a palavra perfeita

As vezes a vejo ao longe numa imagem
ou na composição de alguma melodia

Mas se tento agarra-la meu barco balança
então desisto para não ir a pique

Talvez seja apenas uma miragem
ou um conto de pescador antigo

Talvez não exista essa palavra
que possa me afastar de todos abismos




San, 20/10/2015

Barbie Verão


As escolhas
deixa sair aos jorros
deixa sair aos poucos
deixa sair no tempo
deixar sair o tanto
que se precisa hoje

Como uma imolação
que se faz ajoelhada
em que se entrega tudo
e que não fica nada

No tempo
deixa verter as dores
deixa verter o espanto
deixa verter as duvidas
deixa verte o medo
dos homens
do sexo
da marca
que fica
no corpo
na mente
em toda família
que brilha no escuro
que acusa na esquina
que aponta o dedo
o mesmo dedo que usa
na prece contrita



San, 20/10/2015

Vacancy


Preciso comprar um novo colchão
para acomodar meu bicho papão
porque não consigo dormir apertada
com tanta coisa mal assombrada

Mas não tenho tanto do que reclamar
estou até feliz com esse novo lugar
os fantasmas são velhos e tem reumatismo
estão sempre dormindo ou vão para o bingo

Tem dias em que até me sinto sozinha
e muito reclamo dessa minha sina
procuro encrenca para me coçar
mas desisto logo e vou descansar

Porque na verdade essa mansa vida
é tudo aquilo que eu não queria
mas em algum momento foi eu que escolhi
não ter mais problemas e viver feliz




San, 21/10/2015

Cocktail


Eu alimento o lobo que me devora
eu crio a ansiedade que me assusta
eu invisto no medo que me paralisa
eu mantenho a ganancia que me limita
e a ignorância que me desequilibra

Eu sou o estranho dentro do armário
eu sou o monstro embaixo da cama
eu sou a cabeça flutuante
que me assombra no escuro
e a grande mão que aperta a garganta
até o ar não passar

Por onde vou 
deixo pegadas ensanguentadas
onde toco deixo minha feia marca
e então de repente explodo em luz
que cura, conforta, acalenta
e sou agora a nascente
a chuva esperada
a própria semente

O nada, o tudo, o certo, o errado, 
crescendo para todos os lados,
o perto, o longe, o temido, o esperado,
tudo ao mesmo tempo
sempre junto 
e misturado.



San, 20/10/2015

Smut


O que restou
do meu coração afogado
não dói mais,
as marcas são as margens,
pois as memórias
vivem muito mais.

Meus sonhos são agora
pequenos suspiros
levados facilmente pelo vento,
 não ha mais forças para lutar.

Minha essência mora
em algum lugar
enquanto minha mente
é refém dos maus hábitos
sem entender
o que eu realmente sou.

E eu continuo aqui
replicando essa história
de mim para o mundo
da ignorância para a lucidez,
do medo para a libertação,
de mim para mim.



San, 20/10/2015

sábado, 17 de outubro de 2015

Eu não assisto filmes de terror


Eu não assisto filmes de terror.

A vida real já tem terror suficiente,
 eu não preciso acrescentar mais nada.

Aqueles que assistem 
com certeza devem viver 
dentro de uma bolha de normalidade, 
alienados da história do mundo 
e do que se passa na atualidade.

Ou então já estão com a mente 
tão afetada pela gosma 
da violência e carnificina 
que precisam de um dose extra 
para se sentirem 
"dentro dos padrões".

Hoje li a notícia que agora na Índia 
meninas de 2 a 5 anos 
são vitimas de estupros coletivos.

Se isso não for terror suficiente 
eu nem sei mais o que é preciso 
para se sentir enauseado, 
assustado, raivoso, desesperado.

Estamos em 2015 
e crianças são vendidas  
para casas de prostituição, 
rede de pedofilia, 
como escravos domésticos,  
para mendicância 
e outras porcarias nojentas 
que a mente humana 
consegue inventar.

Os seres humanos fazem guerras 
para vender armas 
e dar vazão as suas taras 
e desejos assassinos.

Os seres humanos 
classificam outros humanos 
para dizer quem merece e pode viver 
e quem deve morrer.

Os seres humanos inventam religiões 
que contém ideias perniciosas
e seus deuses são igualmente maus,
sedentos por sangue.

Os seres humanos 
criam produtos 
que os fazem sentir vazios,
perdidos, desorientados,
isolados e afastados
da intimidade real.

Os seres humanos 
matam até "por amor", 
conceito horripilante.

A cada dia a mente humana 
se torna mais sombria, 
descontrolada e maligna.

Nenhum filme de terror 
consegue chegar perto 
do absurdo da realidade.



San, 17/10/2015

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Unbroken


E depois que você colar os pedacinhos
verá que nunca existiu essa pessoa errada
que ela foi realmente criada e alimentada
pelas dores impossíveis que passou.

Não quero dizer que o mundo é perfeito
mas não, você não tem nenhum defeito,
não acredite naqueles que lhe limitam
porque foram eles que inventaram a limitação.

Um dia surgirá em que todos nós seremos ok
cada um na sua forma, na sua vida, do seu jeito,
com sua admirável intranquilidade,
nada será estranho, nada estará fora do lugar,
nada mais será feito para mudar nossas diferenças.




San, 06/10/2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Broken


Caiu,
quebrou.

E agora? Gente se joga fora?

Com a vassoura velha
das experiências tortas
vou varrendo a vida rota
para o grande abismo 
dos dias esquecidos.

Coração não se cola!

Tantas quedas
tanto ainda
a se partir.

Por que tudo
tem que ser 
tão confuso?



San, 05/10/2015

sábado, 3 de outubro de 2015

Do descalabro do mundo


Poderia ser melhor,
poderia ser pior,
poderia ser tão fácil,
poderia ser titânico,
poderia ser nas brumas,
poderia ser as claras,
poderia ser bem firme,
poderia ser mais frágil,
poderia ser cheiroso,
poderia ser fedido,
poderia ser gostoso,
poderia ser nojento,
poderia ser cortante,
poderia ser suave,
poderia ser didático,
poderia ser caótico,
poderia ser batalha,
poderia ser amor.


Se tanto pode 
se tanto não fica 
se tanto quero
se tanto não encontro 
se tanto procuro 
se tanto não acho
se tanto não entendo 
se tanto recebo
se tanto não faço
sobra o que nessa vida destempero?



San, 03/10/2015

Na beira do rio


Conforme experimentamos tantas coisas
a alma vai ficando encardida, 
não tem como manter a mesma rotina
e querer a mente limpa.

Tem que bater bem,
tem que esfregar os cantinhos,
vai machucar a mão 
mas o coração se alivia.

Conforme vão passando tantos anos
as dores se entranham na vida
não tem como encontrar a felicidade
carregando tanta coisa dolorida.

Tem que lavar bem
com paciência e persistência,
vai tomar bastante tempo
mas o coração se alivia.



San, 03/10/2015