segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Meditare


Quisera eu conseguir 
lhe explicar
o que esta além 
do desejo vulgar,
algo tão imponderável 
e transformador,
que ao mesmo tempo
que lhe sacode
pulveriza toda dor.

Sozinho, 
observando 
o que não tem sido,
as palavras voam
pelo seu ouvido,
surge um grande espaço
de não ter certezas,
não ter desejos,
não ser pertencido.

Somente no silêncio
toca essa sinfonia,
somente no escuro
essa luz brilha,
e estando aparente
escondida no avesso,
nascer é o fim,
a morte o começo.



San, 18/12/2014

Vacuidade


Renuncio agora às coisas
que nunca foram transformadoras
que nunca foram libertadoras
que nunca foram concretas
que nunca foram sábias
que nunca foram boas
que nunca foram minhas

Perdi o medo de perder a ilusão
a ilusão de que você precisa
a ilusão de que você alcança
a ilusão de que isso existe
a ilusão de que isso faz
você ser o que você é

Sempre fui uma menina 
que brincava com o éter
que cantava para si mesma
que perguntava e respondia
que dava risada 
das próprias besteiras
e se espantava 
com as particulares mazelas
nunca me acreditei 
pelo olhos, bocas e ouvidos 
dos outros
meu sabor só eu mesma
 posso provar
e atestar



San, 10/12/2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

Epistolas


Minha vida tem sido uma sucessão
de certidões, contas a pagar,
listas de supermercado,
feiras de sábado,
análise de débitos,
empréstimos,
amigos perdidos
que nunca foram amigos.

Me sento todos os dias 
na mureta dos fundos da casa
observando as bananeiras se agitando
com o vento do fim da tarde,
sem pretensões
o vazio sempre está comigo.

Tenho duas calças jeans velhas
puídas no joelho,
meio descosturadas 
nos bolsos traseiros,
com a barra rasgada,
são elas que me aconselham
sobre a vida.



San, 07/12/2014

sábado, 6 de dezembro de 2014

Jogo


Minha vida 
é um blefe
em forma
tempo
tema
e intenção

Cansei

Penso eu
em mudar 
de rumo

Pior é saber mentir
ou não saber
que se esta 
mentindo?

A sociedade criou
a mentira comunitária
normal, aceita
sistematizada.

E tudo se perdoa
se você ganha

Os vencedores
tem suas próprias 
normas
e preceitos.

O que será 
de mim,
enfim,
se eu não mentir?

Penso

Absoluta verdade
é possível
no meio mental
viciante
em que vivo?


Tenho blefado
com tanta 
persistência
que nem preciso mais
da assistência
da loucura
para dar consistência
ao meu engano




San, 07/12/2014

Sem fim


Desejar cansa
eu descanso 
sendo zero
a esquerda.

Já fui patrulheira de bobagens,
arrumadeira de ideias,
oponente de enganos,
cerzideira de conceitos rotos.

Mas nunca consegui extrair
aquela que vive nas profundis
da minha mente delirante,
e até hoje procuro entender
a minha maior falha de atuação.

Querer causa coceira
no coração e na carteira,
já nascemos querendo
o próximo horário da mamadeira.




San, 07/12/2014

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Calendário


Eu não dato poemas,
eu dato desenganos.

Eu nunca falei
de mim mesma
pois nem me conheço.

Eu não escrevo poemas
eu junto perguntas.

Talvez você que me leia
saiba alguma resposta,
talvez saiba também
por que eu escrevo tanto.


San, 26/11/2014

De dia


Um dia guardei as palavras
num saquinho de bala vazio
lacrei para que não mofassem
e as coloquei em baixo da cama.

De noite 
deitada na cama
as ouço murmurando
respirando, soluçando, 
batendo no fecho da sacola
e falando palavras mágicas.

De dia também fico na cama
mas não ouço nada,
de dia some o saco de balas,
as palavras evaporam,
de dia meu coração não canta.


San, 26/11/2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Off the road



E vou vagando pois
por paisagens 
que não conheço,
nem escolhi,
sem os mapas 
que poderiam ter
meus pais,
desapercebida 
de tudo
que nesse caminho 
leva e traz.

Piso em falso,
torço o pé,
ralo a mão.
dou topada,
machuco 
a consciência
e o dedão,
fico cansada,
afogueada,
desidratada,
esfomeada,
desesperada,

Paro,
sinto o vento,
balanço a perna
suavemente,
canto uma canção,
e me afago
com a beleza
simples
a minha volta.

Caminho
com 53 malditos
e 53 benditos,
a cada 53 metros
dou 53 suspiros,
e uma longa 
e profunda 
respiração.

O tempo passa,
lava e seca,
o tempo 
também esfrega
sua supremacia
na nossa cara.


San, 24/11/2014

Dilema



Extra
ordinário,
extraordinário.

Obsceno,
objeto,
objetivo.

Dilema,
lema,
diletante.

Confuso,
fosco,
fraco.

Sede,
sedação,
silêncio.

Esmiuçar,
esmerilhar,
expor.

Toda a vida é feita de palavras
que soltas não significam quase nada
mas juntas podem ser a diferença
entre a nobreza e a indecência,
entre a tranquilidade e a selvageria,
entre morrer hoje ou esperar mais um dia.




San, 25/11/2014

Apenas o necessário


Na atualidade
simplicidade
é uma crença 
inaceitável.

Desistência,
preguiça,
repressão,
fraqueza,
medo,
visão curta,
burrice,
pobreza.

Quem pode 
quer mais,
quem não pode 
também quer.

A vida é ter,
ter mais,
muito mais,
mais ainda,
pompa, luxo,
colorido, brilho,
ostentação,
ofuscação,
grandiosidade.

Por que menos
se podemos ter mais,
se podemos ter tudo?

Colecionando fatos,
pessoas, objetos,
animais, lembranças,
a vida que vale a pena
tem que ser preenchida
até a borda,
todos os segundos,
todos os dias,
todas as emoções,
todas as situações,
todos e tudo.

Não é preciso nexo,
não é preciso bom senso,
não é preciso analisar
o custo real do desejo
compulsivo
de aparecer.

Simplicidade
é para os mortos,
simplicidade
é para os idiotas,
simplicidade
é uma ideia obscena,
simplicidade
é anti vida.

Simplicidade
é aquele desejo 
estranho
que se gruda a nós
quando 
o que estava dentro
saiu para fora
e o que estava fora
não conseguiu entrar.




San, 25/11/2014

Suave


Por que tudo tem que ser 
a ferro e fogo,
um estampido,
um jorro?

Por que temos que enfrentar
correr, brigar, gritar,
se impor, sofrer,
para chegar a algum lugar?

Por que as coisas precisam ser
conquistadas, usurpadas, 
disputadas, vencidas,
perdidas, tomadas, 
para ter seu valor 
reconhecido?

Por que o que é belo
é sempre o belo fabricado,
o belo construído,
re-inventado,
despido do seu original?

Por que tememos a vida suave,
tocante, respeitosa, moderada, 
bondosa, simples, amistosa, 
despojada, fácil, compartilhada?

Por que tudo tem que ser 
dor, perda e dano
para nos rendermos
no final?



San, 25/11/2014

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Au Revoir



Perdi seu endereço,
seu telefone esqueci,
e não quero mesmo
lhe dizer mais nada.

Nenhum soneto,
poesia, musica, 
crônica, conto,
frase, ditado,
nem um UI 
e nem um AI.

Perdi também a vontade
de entender sua irracionalidade
sua vazão bestial de emocionalidade
sua visão diferencial própria
tão torta, tão promiscua.

Sai do seu espaço curvo,
cantinho apertado
embaixo da escada,
sai da sua vida minguada,
sua vida de porres marcados,
sua vida de truco.



San, 24/11/2014

Inteira


Se me permite um aparte
não queria mais fazer parte
do destrinchamento e canibalização
dos diversos membros mais pobres
da população.

Então matei meu monstro voraz
selando sua bocarra rota,
e ele teve que sobreviver
apenas do prana do respirar,
e foi definhando, esmorecendo,
desarticulando,
enobrecendo.

Até que num dado momento
nada mais conseguia fazer de besteira
e foi viver silencioso no mato,
plantando tomate e couve,
colhendo açaí e banana,
dormindo em rede,
remando barco rio acima,
rio abaixo,
tomando chuva sem capa,
tomando sol sem chapéu,
modelando tijolo,
quebrando taquara.

Sem luz, sem água encanada,
sem privada, sem computador,
sem livros, sem celular,
sem comida congelada,
sem 1.500 amigos,
apenas a vida de gente tosca,
apenas essa vida 
de gente inteira.




San, 22/11/2014

Plenitude Visceral


É admirável 
o volume de fezes
que conseguimos fazer
todos os dias,
em todos os lugares,
por todos os motivos,
de todas as formas,
através de todos orifícios.
Falantes, pensantes
obvias, delirantes,
excretoras, escritoras,
condutoras, paralisantes,
base da receita
da opinião alheia.



San, 21/11/2014

Abstraio


Cansei de seguir
seus conceitos vazios!

O que faço dessa dor
que não passa?

Aberta a porta da incerteza
perde-se a gerência
da própria consciência.

Não há modelos prontos a venda
de verdades absolutas
e nem de sanidade reconhecida
e aprovada pela maioria.

Somos todos modelos instáveis
absortos no próprio umbigo
tagarelando sem parar nossas memórias,
famintos por prazeres oblíquos,
contraditórios, mórbidos, ambíguos,
mesmo que isso custe
a si mesmo.

Ser humana
não me dá conforto,
apenas confronto,
mais uma dor,
um ponto cirúrgico
preso e solto,
um ponto antigo
que não cicatriza.




San, 22/01/2014

Never again


Absurdo é exigir algo magnifico
quando se é tão banal,
é procurar coisas de extremo valor 
quando não se tem nada precioso interior.

Difícil, complicado, bizarro
é o feio que não suporta o feio,
o coxo que mede a perna alheia,
o negro querendo "branquear" a raça,
o disfuncional que precisa de tudo
milimetricamente correto.

Absurdo é ter
que ser a pessoa
dos seus sonhos.



San, 19/11/2014

domingo, 23 de novembro de 2014

Mais 10 minutos....


Você é irresponsável pela sua vida,
eu sou irresponsável pela minha,
e todos somos irresponsáveis 
por nossa sociedade,
nossa cidade, nosso país, 
nosso planeta.

E assim todos irresponsáveis
tropeçando na preguiça, 
estupidez, ganância,
intolerância, inveja, luxuria
pressa, raiva, medo,
vamos todos separados 
para o mesmo buraco
que criamos juntos.

Contundentes somos
na irracionalidade,
livres e em sintonia para errar
milhares de anos,
docemente apaixonados
pela irresponsabilidade.




San, 23/11/2014


sábado, 22 de novembro de 2014

Muito tarde fui dormir


Só vou dormir 
quando se espalha o cheiro
do sol secando 
o orvalho nas plantas
e todas as coisas 
que a noite depositou
sobre nossas vidas
se desvanecem.

Enquanto pessoas 
escovam o dente,
esquentam leite,
pegam suas pastas,
chaves do carro,
eu me abraço 
ao puído travesseiro de Macela,
me aconchego na penumbra 
deitando sobre dezenas de papéis 
desenhados, rabiscados, amassados,
e de algumas tantas canetas vazias.

Me afundo sem memórias
deixando os fantasmas
cuidando da casa.



San, 19/11/2014

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Todas as palavras

As palavras estavam perdidas, 
solitárias, famintas, com frio, com dor de barriga,
tive que tecer frases para aquecê-las,
capítulos para alimenta-las,
crônicas para cura-las.

E assim já melhores
elas me deixaram
tomaram seu rumo,
seguiram a estrada,
muitos tinham a visitar,
muitos tinham a admoestar,
ensinar, deslumbrar, estimular.

Para protege-las em sua viagem
as batizei pelo espirito santo da poesia,
aquele que me faz querer amanhecer
outro dia e outro dia e mais outro dia.



San, 18/11/2014

Drama Queen


Sou uma pessoa reativa,
de respostas contundentes, 
imprevistas,
dramáticas,
me quebro, me amarro,
mordo as gengivas,
rasgo as roupas,
chuto as paredes.

Depois me acalmo,
de repente nada mais me mágoa,
me transtorna
ou me faz transbordar.

Subitamente mantenho distância
observando e ponderando,
como se fosse mesmo outra pessoa.

Por vezes dou risada,
em muitas acabo concordando
com meu "algoz"
e uma parte de mim se transforma.

Sim,
eu desejo meu aprimoramento,
mas não sei ainda fazer isso sem luta.


San, 19/11/2014

Efeitos colaterais


Você sabe diferenciar uma coisa
estupidamente bela
de outra apenas estupida?

Bem, então vamos falar de competição.

Para muitos a competição
impulsiona a evolução,
estimula o crescimento,
permite o acesso a modernidade,
apenas e tudo de positivo.

Para mim a competição
é como um carro desgovernado pegando fogo,
eu me afasto dela com todas minhas forças
para salvar meu corpo e minha alma.

A competição é madrinha da ganância,
meia irmã da inveja,
prima da luxúria,
mãe da vaidade.

É um remédio doce
com efeitos colaterais amargos,
é uma faca sem punho,
uma panela quente sem cabo.

Simplesmente não existe uma forma segura
de lidar com a competição.

Abandone-a,
apenas abandone-a.

Com certeza o mundo crescerá com mais vagar,
coisas admiráveis demorarão mais a acontecer,
elas terão que esperar
nosso amadurecimento emocional,
a expansão do nosso senso de civilidade,
a visão clara do porque e para quem.

Então teremos muitas coisas belas,
absurdamente belas,
e bem poucas coisas estúpidas.



San, 19/11/2014