terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Tatuagem de sangue


Por algum tempo eu achei
que toda imensa dor
que havia dentro de mim
poderia sair fisicamente,
mecanicamente,
então eu escrevia
em meu corpo.
 
Palavras
que não conseguia dizer,
não conseguia digerir,
palavras que não queria ouvir,
não queria entender,
palavras feias
e grudentas
que pulavam no ar
e puxavam meu cabelo.
 
Antes que elas
fossem sugadas
pelo meu espirito
eu as agarrava
e as escrevia em meu corpo.
 
Por alguns minutos
tudo era silencio,
enquanto o sangue escorria,
tudo era silêncio,
tão calmo,
tão puro,
sem nada
que pudesse me ferir.
 
Mas nas suas marcas
as palavras
continuavam vivas,
como uma tatuagem,
continuavam a contar
de forma sorrateira
toda a história da dor,
toda a história da culpa,
tanta história de abandono.
 
San, 25/12/2012


Vergonha

 
Eu fui um pacotinho
que você não quis,
e possivelmente não cheguei
num belo embrulho.
numa data especial,
com fogos e bolo e sorvete.
Possivelmente vim numa hora
inconveniente,
entrei pelos fundos,
escondendo minha vergonha
por existir
e estar ali.
Não sei como sobrevivi 
sem seu amor, 
mas até hoje sinto fome,
sinto fome o tempo todo,
mesmo depois de me alimentar
aindo sinto fome,
deve ser de tanta coisa que faltou,
falta de aconchego,
falta de olhar,
falta daquelas palavras tolas,
ditas com aquela voz estranha,
que as pessoas usam 
quanto estão emocionadas
com aquilo que esta ali,
dentro da sua vida.
Eu me embaracei
nos cipós da vergonha,
nos laços da tristeza,
fiquei presa na sua infelicidade,
me perguntando
porque não era suficiente,
porque não merecia,
porque não podia mudar tudo.
E assim eu cresci
essa pessoa que sente
pouco de tudo,
pouco do que é ruim,
pouco também do é bom,
pouco da tristeza
e da alegria,
pouco da amargura
e da esperança,
pouco da magoa
e da sinceridade.
Esse pouco não basta
para fazer um ser inteiro,
com dois olhos,
uma boca,
duas mãos,
duas pernas
andando para a frente,
tive que ir perdendo pedaços,
espaços que podiam contornar
para não sentir,
para não mergulhar novamente
na sua dor.
 
San, 25/12/2012

CHAI

 
O movimento se estanca,
antiga dança do cotidiano,
o cheiro enlaça a alma
e por alguns segundos
projetada sou a outra parte do mundo.
Cachorros latem,
crianças rindo correm,
bicicletas encontram espaço
entre velhos carros absoletos,
alguem coa um chá
ali mesmo na rua empoeirada.
O cheiro se espalha,
canela, cominho, aniz estrela, cravo, rosa,
leite fervido coado em pano,
pão amanhecido
molhado na água com mel
e requentado na chapa.
Estou novamente
em outra parte do mundo
e me pergunto agora
porque tanto tempo
me protegi da dor,
me protegi da vergonha,
me protegi de aceitar
que ainda pertenço
a algo muito antigo.
 
San, 25/12/2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Faz de conta que acontece

Mentindo a vida fica mais fácil,
para si mesmo
e principalmente
para os outros.
As pessoas aceitam
as pequenas mentiras
sociais,
mesmo que as percebam
como mentiras.
É que a verdade é dura,
a mentira é suave,
a verdade é cinza,
a mentira é coloridissima,
a verdade tem cheiro de algo que queimou,
a mentira tem cheiro de paprica
e diversos temperos orientais,
a verdade identifica algo ou alguem
como um carimbo,
exclui, tipifica, aponta,
a mentira inclui tudo e todos,
até mesmo as coisas mais absurdas
e admiraveis,
a mentira dá esperanças,
a verdade lhe informa que todos irão morrer,
é pesado viver pela verdade.

San, 05/12/2012




Até o final do mundo e além


Eu não consigo mais acreditar em Você.
 
Mesmo que me tragam estudos
e teorias profundas 
da fisica quântica
e a experiência direta
 de pessoas confiaveis e sábias.
 
Não é mais questão de querer
e sim de poder.
 
Pelo jeito tudo se resumia a quimica do cerebro,
receptores, proteinas.
 
Eu não tenho mais a substancia especial
que me levava a senti-lo presente,
vivo, luminoso, real
dentro e fora de mim.
 
Eu não consigo mais acreditar em Você.
 
Como uma paixão intensa que se foi sem deixar nada,
nem sei como pude um dia ter tamanha proximidade,
entrega, ligação, prazer, confiança.
 
Não sinto falta de acreditar,
não sinto falta de procura-lo,
não existe um vazio
onde havia crença,
existe sim um campo imenso,
florido,
onde eu corro livre,
tranquila,
sem expectativas.
 
San, 07/12/12
 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Saudades de um amor desconhecido


Sinto falta de algo muito prazeiroso,
que no entanto não sei o que é,
apenas sinto falta,
um sentir tão intenso
que me desconcerta.
 
Como posso sentir falta
de algo tão significativo
que não conheço?
 
É como sentir falta de passear
pelas ruas de Paris
sem nunca ter ido lá.
 
Sentir falta do cheiro,
do gosto,
da textura
de algo que nunca
foi sequer
vivido, 
imaginado,
desejado
 
Mas sinto saudades,
muitas saudades,
dessa coisa tão importante
que nunca experimentei
e não sei o que é.
 
Talvez seja você,
talvez seja novamente você,
que esteja tão perto,
tão longe,
tão ausente,
e presente,
que se faça real
onde só existe sonho.
 
San, 03/12/2012
 

MOTHER 2

Que bom pode chorar hoje por você!

Que bom me permitir sentir sua falta!

Que bom de repente
seu rosto surgir
em meio as minhas lembranças!

Uma imagem sua
cozinhando algo gostoso
e ouvindo musica na cozinha,
talvez dançando enquanto mexia
as panelas.

Era você mesma?


Que bom finalmente deixar
que você exista,
além dos gritos e dedos apontando,
deixar que sua risada exista,
um corpo vivo,
realizando, criando, experimentando.

E as lagrimas descem
apartadas de dor ou cobrança,
sem se misturar ao cinza nevoeiro
dos ressentimentos.

Foi certo existir você!

San, 03/12/2012


MOTHER


 
Você é minha primeira fantasia,
de todas a mais importante alegoria,
e mesmo que nada daquilo
tenha acontecido,
em um mundo profundo,
foi reunido,
os pedaços perdidos,
e restituido
ao amor que não expira,
que não machuca,
que não esquece,
que não desiste.
Ali você me amou,
ali eu lhe pertenci,
como um presente,
tão desejado,
como um sonho,
realizado.
 
San, 01/12/2012

Calabouço

Eu me espanto
com que a mão esquerda
silenciosamente cria
enquanto a direita
prepara um sanduiche.

De repente algo surgiu ali,
vindo de não sei onde,
e uma coisa que parece ter valor,
critério, profundidade,
algo que posso amar.

Naturalmente não posso reconhecer como meu.

Sempre fui uma menina obediente,
aceitei a raiva oferecida como parte de mim mesma,
absorvi e gravei as lições de intolerancia,
melancolia, medo, insegurança.

Me espanta ver algo surgir
vinda além do desequilibrio da minha familia,
do desespero da minha mãe,
do vazio do meu pai.

Eu me espanto que a mão esquerda
seja de alguém que esteve em minha infância
mas não continua nela,
seja de alguém que vem de toda uma grande
linhagem de dor,
mas que criou seu próprio espaço,
presença e consciência.

Então escondo suas rimas,
pautas, sugestões, desenhos,
os guardo entre paginas de velhos livros,
como amostragem de mim mesma,
para ser encontrado pelo meu futuro.

San, 30/11/2012


O efeito do defeito

Caiu, quebrou, colou,
resistiu, persistiu, registrou,
continuou.

Caiu, quebrou, doeu,
recolheu, embaralhou, observou,
absorveu, entendeu, descartou,
sonhou.

Caiu, quebrou, resistiu,
amordaçou, fugiu, reclamou,
espantou, perguntou, buscou,
cansou.

Caiu, quebrou, lamentou,
esperou, fingiu, esqueceu,
mancou, arrastou, deitou,
dormiu.

Caiu, quebrou, chorou,
limpou, entregou, perdoou,
apaziguou.


San, 01/12/2012


Vácuo


Retire meu nome,
minhas roupas,
minhas lembranças,
meus números,
meus títulos.

Retire meus livros,
agendas,
celular,
técnicas,
crenças,
amigos.

Retire meus hábitos,
verdades e mentiras,
horários,
prazeres,
minha atrapalhação,
meus pontos cegos.

Retire minha família,
minhas dores,
minhas conquistas,
meus obstáculos,
minha meditação diária.

Sobrou o vácuo,
criador da verdadeira
natureza.

Existe um ponto 
em que não sou nada.

Não tenho expectativas
para falar da minha sorte,
não tenho mente
para temer a minha morte,
não tenho desejos
para elaborar meu futuro.

Não existe luz ou sombra,
não existe parecer ou ter,
adquirir ou persistir,
ser ou não ser,
apenas ali, aqui, 
em todo lugar,
finalmente o vácuo.


San, 03/12/2012


sábado, 7 de julho de 2012

PAI



De braços fortes
e coração mesquinho
tomo a vida para mim,
eu me despeço amigo.
Aquilo que eu comecei
sem certeza e intranquilo,
agora com dor termino,
eu me despeço amigo.
A maré vai subindo,
e antes do sol a pino,
tomo meu rumo sozinho,
eu me despeço amigo.

San, 05/07/2012

Teatro


O tolo acredita
que tem opinião.

O sábio sabe 
que a opinião o tem.

Não somos donos de nada
nem dos nossos desejos,
nem dos nossos pensamentos,
muito menos da nossa ideologia.

Nossa boca abre e fecha
pela boca dos outros,
palavras escolhidas
e acrescentadas
por mãos quase invisíveis
que vão puxando
o longo fio que nos direciona.

Vivem qual parasitas, 
se fartando da nossa força
que é tomada por eles.

Sonhamos ser livres
quando não temos nada.

Quisera falar agora
daquilo que não conheço
mas isso não me foi permitido
não sou integra para chegar a tanto.

Até minha revolta e espanto 
é teatro
na liberdade restrita
dos meus donos
vigilantes.



San, 07/07/2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Restituido

Desnecessário é
esse preambulo
entre tão poucas
palavras.
Quero apenas
suspirar
meus sentimentos.
Procuro algo
que possa conter
meus silencios.
Dia a dia
a saudade
é afogada
no meu coração.
Nâo estou mais aqui,
meu corpo tem sido
possuido
pelos espiritos
do que eu fiz.
Havera um dia
onde enormes ondas
se abaterão
neste deserto
da solidão.
Desnecessário é
afirmar a dor
do amor desconhecido,
restituido,
permitido,
destruido.

San, 01/06/2012

domingo, 19 de fevereiro de 2012

João e Maria



Deixei um rastro tão obvio
ao longo do meu caminho.

E mesmo que esteja tão cego,
certamente me encontrará.

Eu canto para você,
por você faço poesia,
e coloco um prato a mais a mesa
todos os dias.

Juro
deixei meu mundo para trás.

Será que conseguirá me perdoar?

Será que conseguirá me ver?

Será que conseguirá me alcançar?

E me reconhecer?

Temos tanta solidão juntos,
temos tanta dores partilhadas,
tememos os mesmos inimigos,
ilusão, dor, emboscada.

Não tenho mais palavras para você,
não tenho mais pétalas para jogar,
o tempo agora é outono,
quiserá que você pudesse me encontrar.



San, 19/02/12

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Me faz hoje

Posso curar

seu tolo

coração,

me faz assim

melhor hoje.


Posso ouvir

os sons

da sua eternidade

me faz assim

fim do

mistério,

hoje.


Não há vida

depois de mim,

não há vida

entre outros mins,

sei que tudo

lhe parecerá

absurdo.


Vem dançar

colada

no meu corpo

e me deixe

cantar sua alma

esquecida,

me faz hoje,

me faz hoje,

por toda a vida.




San, 02/02/12

Esquizofrênica


Eu lhe vejo todos os dias,
desnuda, quebrada, sibilante,
preparada para o golpe.

 Colagem de fragmentos
descontentes,
pais deprimentes,
quem cala pressente.

Sobreviver entre rastros,
esconderijos,
 então o som de queda,
choros, bofetadas,
musica alta no vizinho.

Mas mesmo que a boca não fale,
o todo corpo espalha,
a palavra não dita,
mas sentida,
perdida,
esquizofrênica,

Então pega nessa mão descrente
e joga no papel caduco,
velho embolorado,
truco,
grita seus sonhos 
persistentes.




San, 06/02/12

NÃO TE AMO MAIS !!!!!


No principio não haviam
verdades ou mentiras,
vivíamos sem parâmetros,

Não havia nada
com que se comparar,
analisar, medir, observar,
as coisas simplesmente eram.

Então surgiu seus lábios com idéias,
muitas, varias, diversas,
toda uma escala de comparação,
que me obrigava a escalar
um Monte Everest por dia,

E foi assim.

Cansei de subir, rolar, cair,
vencer um obstáculo
para mais outro e outro e outro
tentando chegar ao seu lindo e perfeito
lugar imaginário.

EU NÃO TE AMO MAIS !!!

Quero fazer eco
aqui na minha caverna ancestral
onde não preciso do seu aval
para viver aquilo que já vivo,
onde não terei que sentir seu gosto imaginário,
onde todas as verdades e mentiras
podem ser afrontadas.

Me aconchego no silêncio,
enfim em mim.


San, 03/02/12

Meus motivos


Eu só consigo dormir quando chove,
preciso do som da terra se banhando.

Fiquei meses acordada
entre os dias ensolarados
e as noites calorosas
sonhando com o frio e o vento.

Todas as noites eu prometo
que sairia sem rumo
apenas pelo prazer de me molhar.

Meus motivos saltam no futuro,
um futuro que talvez não aconteça
mas foi claro demais para mim.

Meus motivos são insanos,
eles temem fazer terapia,
não confiam na cura.

E as mentes simples,
do agora, deste ano, desse milênio,
não sabem o que é viver 
toda uma vida sem chuva.


San, 05/02/12

Sertão



A chuva cala
a voz rouca e triste
da secura constante
e sorrisos brotam
da barriga.

É hora de colocar
café para ser coado,
pão de queijo para assar,
cortar pé de moleque.

É hora de viver
a vida que estava
em ritmo de espera
pelas gotas gordas
que descem do céu.

E os cachorros correm 
pelo quintal molhado,
comem mato fresco,
fazem patas no barro,
do seu jeito comemoram 
a vida que continua,
a vida sem medo,
a vida com água.

Então eu me sento 
na velha cadeira de praia,
molinete na mão
lanço a linha para o alto
pescando nuvens,
outros dias,
esperança.


San, 06/02/12