quarta-feira, 24 de abril de 2013

Cordel da colheita maldita


Em tempos bons 
todos se sentem consolados,
Deus está fazendo seu serviço 
e o diabo foi sufocado.

As pessoas sorriem 
e falam que a vida é boa,
se tornam mais ordeiras 
e trabalhadoras.

Mas basta a estrada da vida 
começar a inclinar
e os caminhos se tornarem difíceis 
para todo mundo reclamar.

Alguns ficam descrentes,
outros agressivos e descontentes,
muita gente questiona os motivos 
e acusa algum outro que também sofre.

Igrejas pipocam ali e ali 
pois espertinhos lucram 
com o medo alheio.

Falsos cordeiros gritam 
poder conduzir 
as pastagens tranquilas,
basta para isso
o empurrãozinho do dinheiro.

A vida é assim, mudança! 

Tentam lembrar alguns poucos 
com bom senso,
nem toda dança é rápida
a valsa por exemplo é lenta.

Nascemos, crescemos, casamos, 
construímos, envelhecemos, morremos,
ficam para trás coisas 
que julgávamos importantes 
e necessárias,
embaixo da terra ninguém precisa 
de bens duráveis
e não tem silicone 
e botox que dê jeito!

Mas o ser humano só ouve 
o que lhe agrada,
só acredita na vida 
se for cor de rosa 
e perfumada.

Quando é pobre 
inveja o rico da novela,
quando é rico 
morre de medo de perder tudo
e quer aparecer no Caras,
assim a porteira do inferno 
fica liberada.

Pessoas fazem coisas sem sentido, 
irresponsáveis e perigosas,
ensinam as crianças 
que para ser alguém 
é preciso ter e muita coisa.

Deus é só mais uma ferramenta 
para chegar as coisas boas da vida,
tem também o roubo, a bebida, 
as drogas, as mentiras, 
o sexo indecente.

Mas não é Deus que traz a bonança 
ou as coisas ruins,
isso tudo é da responsabilidade humana.

Quando no caminho certo, 
de respeito, amor,
dignidade e conhecimento,
o homem vai longe 
e chega perto 
do antigo paraíso.

Mas quando decide 
pelas atitudes mesquinhas, 
gananciosas, trapaceiras, 
sem ética e egoístas
o homem se depara 
com sua colheita maldita.

Plantou vento ? 
Colhe tempestade! 
Essa é a lei da vida.

San, 08/04/13

N.D.A.


Fiz tudo errado,
amei 
quem deveria desprezar,
ignorei 
quem poderia me amar,
lutei muito 
por coisas passageiras,
acreditei 
em idéias insignificantes,
abandonei 
caminhos promissores,
andei por ruelas escuras
com pessoas raivosas 
e inseguras.

Queria amor 
mas criei dor,
queria conhecimento 
mas busquei 
prazeres rápidos,
queria sentir 
que existe um chão 
para me apoiar,
um chão que não vibra 
e gira todo tempo,
mas afirmo o tempo todo 
que tenho asas
e não preciso de conforto.

E olhando agora 
o mapa do meu corpo,
tão marcado por linhas de angustia 
e ansiedade,
não encontro meu norte, 
não vejo fronteiras,
não sei mais de onde venho 
e para onde poderia ir,
do nada para o nada pareço seguir,
do engano para o desespero 
assim
é a estrada,
fiz tudo errado.


San, 19/03/2009

Manifesto




Mesmo que não acredites
tu tens nas mãos
poderosa arma de libertação.


Dos seus braços 
um lhe falta
que foi tomado
por uma máquina
na labuta do operariado
e foi dispensado
sem indenização
com mulher e oito filhos
por não dar mais
lucro ao patrão.


Mesmo que não acredites
tu tens nas mãos
poderosa arma de libertação.


A fome e o desabrigo
foi ensinando aos poucos
a enxergar no povo
a exploração
a tirar da boca
as amarras do medo
e a pedir justiça
a todos sem pão.


Mesmo que não acredites
tu tens nas mãos
poderosa arma
de libertação.



San, 06/08/1985

Coração negro


Coração negro,
feito de barro e cristal,
massa socada,
punhos de aço,
essa coisa de vida.

Coração apunhalado,
sangue feito de fome,
rasga trocados no fundo
do bolso,
dorme agarrado no vento.

Assombração,
sombra nos portões,
nas calçadas o resto de sal,
de amor.

Mas vai com a força 
desse coração negro
feito de barro
bem socado
essa coisa de vida.


San, 12/03/81

Não me abandone jamais


Da rua para meus braços
o amor puro a tudo acolhe,
harmoniza, entende, transmuta, 
tudo aceita,
sem medo, reserva, cobranças,
perguntas, exigências, conceitos,
em sua presença se faz vida,
gratidão, entrega.

Vem calmamente e ocupa qualquer espaço,
sem luxo, sem grandes produções,
assim tão simples,
cama de hospitais ou manjedouras,
mendigos, príncipes, policiais, malandros, 
velhos esquecidos a sua própria sorte,
a todos acalenta,
apaziguando o coração.

Nessa grandiosa hora
de tão pouco,
buracos negros engolindo galaxias,
pás cavando buracos,
estrelas novas explodindo,
o coração batendo muito devagar,
seus olhos acompanham meus olhos,
você está ali,
exatamente e totalmente ali,
ao meu lado.

Então minha dor se dissolve
nos seus olhos claros,
e apesar de ver que o mundo todo
esta sendo pulverizado
nada mais me assusta
causa ansiedade ou repulsa,
protegido estou por esse amor imenso,
envolvido estou nesse amor vida,
e me lanço mais para dentro
dessa fonte que brota luz
estendendo meus braços para segurá-lo
já do outro lado.


San, 24/04/13

Não me esqueça jamais


Sinto que você 
sempre esteve aqui,
parte estranha 
da minha parte,
tão perto, 
tão longe,
desconhecido-amor-amigo,
abraçado as minhas 
antigas lembranças,
quando ainda me formava corpo, 
um pedido de poucas palavras,
um sentido agudo-aguçado,
um rascunho de bilhete,
"me encontre...".

E assim fui vivendo-observando,
atenta a tudo 
que me levaria mais além,
do meu para o seu cotidiano,
caçando seus rastros
no banal-mágico do dia a dia,
pela janela do ônibus
pequenas cabeças com bonés coloridos que passam,
coisas esquecidas em bancos das praças
como um velho livro de capa de cartolina
com uma flor seca entre duas paginas,
no escuro do cinema
uma respiração profunda
de alguém que deve estar sentindo
a mesma necessidade de amor-calor
que sinto agora e todos os dias.

"Me encontre..."

E eu serei eternamente essa "procurante"
andarilha dos seus sonhos psicodélicos,
aquela que estava numa janela
quando você passou tão perto de bicicleta,
aquela que saia do avião
enquanto do outro lado você entrava,
aquela que lhe ama profundamente
em silêncio assombroso,
que não entende esse amor
mas continua a alimenta-lo
todos os dias.

Meu coração já esta em seu coração,
meu espirito baila contigo num campo infinito,
as vezes sonho seus sonhos
e sinto os cheiros que invadem sua vida,
quase posso toca-lo de olhos fechados,
e tento correr através desse espaço
que existe entre nós
para realizar o que foi prometido...
"me encontre querida!".


San, 21/02/2002

domingo, 14 de abril de 2013

Perdão


Quando cheguei a praça
meu coração veio pesado
carregado de ressentimento.

- Por que você não me amou?

Mas ao lhe ver ainda de longe,
cabeça sustentada pela mão,
corpo cansado fustigado pelos anos,
você me pareceu tão pequeno,
tão perdido, tão fragil.

Meu coração foi se esvaziando
como um ralo que de repente é limpo,
a magoa foi saindo de mim
as lembranças doloridas
dos tempos de grandes cobranças
e poucos abraços.

Quando cheguei perto apenas lhe disse :

- Pai, trouxe seu biscoito de vento, aquele que você gosta!

Você nada me respondeu,
me olhou duas ou tres vezes,
e depois levou seu olhar para longe,
talvez para aquele lugar
onde coisas maravilhosas acontecem,
e ninguem comete erros
ou sofre sem motivos.

- Pai, sou eu, sua filha!

Mas de repente percebi,
você não estava mais ali,
não estava no banco,
não estava na praça,
não estava comigo,
ali sentado estava apenas um corpo,
um corpo que já tinha feito muitas coisas
boas e ruins,
mas que agora não tinha mais nome,
passado, desejo, lembranças,
alegrias, dores, filhos, netos,
aniversarios, natais, dias dos pais.

Como uma imensa borracha branca
a doença apagou tudo em você,
tudo também de nós dois,
toda nossa dificil convivência.

Então eu sentei,
lhe abracei,
coração leve,
começando de novo
a lhe amar.


San, 15/04/13

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Do mito a mídia


Narciso finalmente encontrou seu espaço,
sem neuras, traumas, cobranças,
queda, revanche dos deuses.

Se expor, se olhar, se esmiuçar,
admirar a própria beleza e grandeza
não é mais nenhum pecado,
é normal e incentivado.

Narciso pode se entregar a seu vicio
vivendo tranquilo,
e sendo até admirado
respeitado e invejado.

Dentro do padrões vigentes
não comete nenhum delito,
não é nenhum esquisito,
não tem disturbio qualquer,
é apenas um belo especime
bem resolvido.


San, 01/04/13

Sempre Zen


Aqui no meu bairro,
que injustiça,
ganhei má fama,
dizem que para tudo
não me destempero
ou encano...
dá-lhe banana!

Conversa atravessada,
reclamação de dama,
vizinho impertinente,
calçada suja e quebrada,
nada me enerva a lata...
dá-lhe banana!

Mas isso é uma grande piada
desse povo intransigente
não tenho culpa alguma
que tenha bananeira em casa
produzindo alegre as pencas
para dar a toda gente...
dá-lhe banana!

E tem coisa mais fácil,
gostosa e bem usada
do que a encorpada banana?

Com banana se faz muita coisa,
tanto doce como salgada,
a milanesa com a feijoada,
doce mole de tacho
que se come no pão
ou lambusando a mão,
até coxinha de banana
já entrou na produção.

Então muito me espanta
que incomode a tanta gente
minha caridade honesta
e desinteressada.

Está com cara amarrada,
parece muito com fome.

Mau humor também pode ser
falta de açuçar no sangue...
dá-lhe banana!

E sempre zen.


San, 21/02/12

Você é meu pastor



Você é meu pastor
e nunca me faltará,
em momentos de necessidade,
nas montanhas, 
enfrentando correntezas,
estará comigo em horas dificeis e tranquilas.

Minha alma se aquieta
mesmo perdida em antigas trilhas,
pois você é meu guia,
e confiando em sua força e determinação
me deixarei levar.

Ainda que eu vá a lugares estranhos
e perigosos
não temerei mal algum
pois você esta comigo,
seus uivos e rosnados
me consolam.

Dividimos nossa refeição
mesmo diante de pessoas agressivas,
você me honra deixando de comer
para me guardar,
de ternura meu coração transborda.


Certamente sua bravura
e fidelidade
me acompanharão todos os dias
da sua vida
e habitarei na casa do amor
enquanto viver.


San, 23/12/09