terça-feira, 4 de março de 2014
αγάπη
Estranho feito é o amor
alimentar em suas próprias entranhas
um sentimento tão enigmático
obscuro
e assustador
como uma bola de neve
descendo a montanha
a cada minuto mais intenso
descontrolado
avassalador.
E assim mesmo querer ser
sonhar ser
chorar por ser
desejar ser
esperar ser
esmagado pelo impacto
despedaçado
e entrar no outro
habitar o sonho do outro
o desejo do outro
os planos do outro,
sim,
quão enigmático
e estranho é o amor.
Ser tomado e domado
perder a destreza da obviedade
a clareza da singularidade
o poder da maioridade
oferecer sua própria identidade
de repente
gritar com o corpo todo
figado, baço, pâncreas, rins,
estômago, intestino, pulmão,
garganta, coração,
exigindo toque, beijo, aperto,
intimidade, aconchego,
dissolução,
solução.
Será defeito o amor?
Peças perdidas
de outros mecanismos
vivendo em busca
de apoio,
impulso,
encaixe perfeito
força que possa superar
a abominação
de entrar e sair desse mundo
sem contatos,
sem identidade.
Imenso e irreal
colonizador e liberador,
aniquilante e criativo,
sólido e imponderável,
estigmatizante e curativo,
ambíguo e normativo,
desvairado e padronizado,
que coisa perigosa é o amor.
San, 04/03/2014