domingo, 2 de janeiro de 2011

O tempo não cura



Não sei se sou fiel a dor
ou ela é apegada a mim,
mas permanecemos juntas,
em tempos difíceis 
e nos melhores momentos.

Juntas vimos o mar,
juntas voamos de avião a primeira vez,
casamos, tivemos filho, fomos abandonadas,
reatamos amizades, curamos outros,
interessante a dor ser minha assistente.

Não sei exatamente porque preciso dela,
já pesquisei bastante,
por dentro, por fora, pelos outros, em todos lugares,
analisei pistas, mitos próprios, crescimento,
médico, psicologo, fisioterapeuta, melhor amiga,
remédio, meditação, homeopatia, alongamento,
benzedeira, grupo de oração, biopsia.

Acho que a dor foi bem tratada,
apalpada, analisada, observada,
e até desacreditada por alguns,
mas ainda permanece aqui,
onde sempre esteve.

Não me lembro 
dentro da barriga da minha mãe,
talvez ela estivesse ou não,
talvez fosse a dor da minha mãe 
ser novamente mãe,
mãe tristonha, sem motivação, bipolar,
carregada pela correnteza da vida sem graça.

Talvez seja um resquício 
do que ela sofreu,
de tantas vezes,
por tantas coisas,
e eu mais do que senti ou pressenti,
mas absorvi
e passou a ser meu.

E começo o ano com dor,
o acabei com dor é verdade,
foi uma dor ininterrupta,
e isso me lembra que o tempo é irreal,
e o planeta é circular,
eu jogo a bola e ela volta para mim,
é a ciência da responsabilidade.

Não nomeio essa dor,
não temos uma relação de amizade
como vejo em algumas pessoas 
com suas doenças,
ela me incomoda como um parente
que fala mal de você pelas costas.
Acho que não a alimento,
e se existe um poço de recursos
onde ela bebe e se fortalece
eu desconheço,
mas ela permanece 
sólida e coesa.

Virou uma parceria,
conselheira, lembrança contundente,
cala minha boca 
quando eu poderia magoar outros,
me lembra da minha própria humanidade,
fragilidade, desconforto, solidão,
dificuldade, tristeza.
Dor que esta até no respirar,
levantar, sentar, comer, andar,
limpar a casa, escrever, pensar,
brincar com as cachorras.
E então ela me leva para a cama
respirando fundo, fundo,
mais fundo do que minha consciência,
mais fundo do que meus ossos 
que parecem se partir,
e quando não tem mais nada de eu,
nenhum pensamento,
ai então não encontro a dor,
e ela não me encontra.

Solta assim
nesse lugar vazio de conceitos,
flutuando ao sabor do nada
finalmente estou sozinha,
sem pressões, mortificação e cobrança,
sem coisas que estrangulam e cansam,
estranhamente liberta
de todas boas e más sandras.




San, 01/01/11