quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

De olhos bem fechados



Por certo que ficaria mudo
e um grande silêncio
com ondas ao fundo.

E teria também
um misto de dança
e balançar suave
como fazem as crianças
chupando o próprio dedo.

E naquele momento
se abriria os espaços vazios
necessários quando estamos cheios
daquilo que não seremos
e não queremos entender.

E de olhos bem fechados voaria,
como a sombra do ônibus 
passando na estrada,
sendo levado até o lugar distante
onde ainda existe inteiro.




San, 25/01/2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Intruso



Por toda casa
vão ficando fragmentos de nós dois,
criaturas antes integras e coesas,
agora tão distantes e indefesas,
despedaçamos como tolas ilusões.

Nossas mãos jã não se tocam no escuro,
os olhos são arredios e sem carinho,
e onde antes havia beijo, musica e palavras,
a boca cala.

Não existe mais cobrança,
raiva, tristeza, espaço,
tantas coisas que não foram ditas
nunca mais serão,
não existe a necessidade de solução.

E virando as paginas desse livro nossa vida,
onde fotos antigas se parecem de outros seres,
o estranhamento me segue como um sopro,
nada de você desperta saudades e desejo,
nada de mim mesma eu reconheço.



San, 14/01/2011

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Horizonte perdido



Tantos caminhos a seguir
com suas dores-dificuldades,
suas recompensas-responsabilidades,
seus sabores-imagens.

Tanta coisa para conhecer,
praticar-entender-assimilar,
duvidar-questionar-expandir,
negar-evitar-destruir.

E o coração
aquece-aninha-sufoca,
larga-enregela-trisca,
expande-recompõe-abriga.

Descompensado,
descompassado,
bate, bate, bate, bate,
se pergunta o motivo de bater.

Então a luz,
a clareza de sentir,
um minuto sem guerra,
sem pendência-busca,
colocando pé a pé a frente,
balançando ao sabor do vento.

Todos caminhos vão machucar
olhos abertos-descalça,
sem ilusões-fé-mentiras,
passo a passo-construção,
passo a passo dor-descoberta-alivio-equilíbrio.


San, 12/01/2011

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Consequências


Escuto o sopro fantasmagórico
que de vez em quando ronda 
minha inconsciência,
vozes de pessoas indiferentes
como possíveis mortos desconhecidos,
restos de conversas, pedidos, um parabéns
conselhos de 1942, as vezes um aplauso,
um meloso soluço de choro contido.

Depois tudo se mistura
ao som caótico do transito,
da cidade, dos ambulantes,
dos travestis, dos pensamentos,
ligo o radio para chegar 
ao absoluto do acumulo,
o buraco negro,
e ele talvez engula todas as coisas,
a luz, a treva, o pressentimento,
talvez levante o carro
e o jogue em outra zona de conflito.

E o frio que antes era seu estomago
subiu mais a esquerda,
até o coração,
como uma larva gosmenta,
ou a voz falsamente bondosa
do médico verdadeiramente distante
enquanto enfiava a grande agulha.

BIOPSIA...
esse nome sempre me pareceu de uma flor

de uma planta trepadeira,
cheia de pequenos botões brancos e perfumados
que vão subindo pelas paredes e alambrados de madeira
até apodrece-los e tudo ir ao chão.

Por que você me abandonou antes do primeiro olhar?

Antes do primeiro bocejo, antes de qualquer espirro,
cutucada no nariz, coçada de saco, cusparada,

suor nas mãos, boca fedida, grito sem sentido,
antes de ser alguém ou algo
que se pode desrespeitar ou desprezar ?

É isso que você faz com todas as coisas ?

As deixa como um telefone fora do gancho ?

Esperando na esquina enquanto você vai comprar jornal ?

E as vozes distantes se calam,
absurdamente tristes pela minha vida,
como mortos pranteando vivos,
o silêncio corta ao meio a avenida,
ultrapassa o sinal,
atropela um ciclista,
levanta minha mão
para alcançar alguma coisa,
talvez segurar a ponta dos seus dedos
antes da partida.



San, 17/02/2010

Jogos de amar


Pela fresta da janela
garimpo seu olhar selvagem
no meu corpo sedento
medo e desejo se espalham.

Não quero acreditar em dogmas,
não aceito sua lógica,
não quero mais ter nexo
e nenhum complexo.

O tempo é um jogo,
o tempo é um logro,
o tempo é apenas
um relógio na parede.

Pela fresta da janela
recebo seu olhar covarde
no meu corpo mudo
tristeza e dor se espalham.

Não quero acreditar em dogmas,
não aceito sua lógica,
nunca tive nexo,
chega de complexo.

O tempo é um jogo,
o tempo é um logro,
o tempo é apenas
seu retrato na parede.

O tempo é um jogo
o tempo é um logro,
o tempo é apenas
mil retratos na parede.


San, 01/03/2001

SPRUCE


Quando o silêncio se deita sobre mim
sinto seu cheiro terra-almiscarado-sujo-forte,
e novamente canto como antes de tudo se quebrar.

Nada me parece estranho e fora de lugar
você ainda existe e eu também para você
e tanta coisa ainda falta acontecer.

Amar não deve ser uma consequência desse existir,
amar pode ser uma doce batalha perdida
e mais do que sua presença-beijos-corpos-lágrimas
é sua ausência agora que me dá vida.

Não quero mais tirar os relógios de lugar,
e nem cobrir meu corpo com a lassidão,
eu sou mais do que o tempo pode dar.

E me deixo fluir para este lugar
sereno-terno-refrescante-verde
onde nosso amor cresce com o Spruce.



San, 03/01/2011

Costura



Remendo é coisa séria
e tão bom de fazer
além de ocupar a mente
fortalece o dedão.

Já que eu estou aqui
vou bordar um ponto em cruz,
apertadinho e belo
como sempre se convêm.

Costurando minha vida
nas oportunidades do mundo
vou fazendo nova roupa
diferente de tudo que é tudo.

E pareço ainda ouvir
os cantos singelos da avó
de fé, esperança, peleja
da vida que foi a fundo.

Vou plissando as coisas
com forte e precisa mão
criando algo tão velho
como meu velho coração.




San, 03/01/2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Conforto



E eu poderia lhe alcançar
pois em muitos lugares existo
mas não fico muito no ar
a razão que eu não insisto

O amor que pude ter
me surpreendeu muito
não por aquilo que fiz
mas por existir no mundo

E agora eu danço só
neste imenso lugar
onde as coisas ficam
para ninguém encontrar

Então eu canto
da janela do mundo,
e sem alguém para ouvir
eu posso cantar profundo

E sou tantas e tão fortes
enormes e sérias figuras
como antigos moais
misturados a tudo

Não existe outras coisas
neste estranho lugar
apenas conforto e paz
sem nada para realizar



San, 02/01/2011

O tempo não cura



Não sei se sou fiel a dor
ou ela é apegada a mim,
mas permanecemos juntas,
em tempos difíceis 
e nos melhores momentos.

Juntas vimos o mar,
juntas voamos de avião a primeira vez,
casamos, tivemos filho, fomos abandonadas,
reatamos amizades, curamos outros,
interessante a dor ser minha assistente.

Não sei exatamente porque preciso dela,
já pesquisei bastante,
por dentro, por fora, pelos outros, em todos lugares,
analisei pistas, mitos próprios, crescimento,
médico, psicologo, fisioterapeuta, melhor amiga,
remédio, meditação, homeopatia, alongamento,
benzedeira, grupo de oração, biopsia.

Acho que a dor foi bem tratada,
apalpada, analisada, observada,
e até desacreditada por alguns,
mas ainda permanece aqui,
onde sempre esteve.

Não me lembro 
dentro da barriga da minha mãe,
talvez ela estivesse ou não,
talvez fosse a dor da minha mãe 
ser novamente mãe,
mãe tristonha, sem motivação, bipolar,
carregada pela correnteza da vida sem graça.

Talvez seja um resquício 
do que ela sofreu,
de tantas vezes,
por tantas coisas,
e eu mais do que senti ou pressenti,
mas absorvi
e passou a ser meu.

E começo o ano com dor,
o acabei com dor é verdade,
foi uma dor ininterrupta,
e isso me lembra que o tempo é irreal,
e o planeta é circular,
eu jogo a bola e ela volta para mim,
é a ciência da responsabilidade.

Não nomeio essa dor,
não temos uma relação de amizade
como vejo em algumas pessoas 
com suas doenças,
ela me incomoda como um parente
que fala mal de você pelas costas.
Acho que não a alimento,
e se existe um poço de recursos
onde ela bebe e se fortalece
eu desconheço,
mas ela permanece 
sólida e coesa.

Virou uma parceria,
conselheira, lembrança contundente,
cala minha boca 
quando eu poderia magoar outros,
me lembra da minha própria humanidade,
fragilidade, desconforto, solidão,
dificuldade, tristeza.
Dor que esta até no respirar,
levantar, sentar, comer, andar,
limpar a casa, escrever, pensar,
brincar com as cachorras.
E então ela me leva para a cama
respirando fundo, fundo,
mais fundo do que minha consciência,
mais fundo do que meus ossos 
que parecem se partir,
e quando não tem mais nada de eu,
nenhum pensamento,
ai então não encontro a dor,
e ela não me encontra.

Solta assim
nesse lugar vazio de conceitos,
flutuando ao sabor do nada
finalmente estou sozinha,
sem pressões, mortificação e cobrança,
sem coisas que estrangulam e cansam,
estranhamente liberta
de todas boas e más sandras.




San, 01/01/11