Não sei se sou fiel a dor
em tempos difíceis
e nos melhores momentos.
juntas voamos de avião a primeira vez,
casamos, tivemos filho, fomos abandonadas,
reatamos amizades, curamos outros,
interessante a dor ser minha assistente.
Não sei exatamente porque preciso dela,
por dentro, por fora, pelos outros, em todos lugares,
analisei pistas, mitos próprios, crescimento,
médico, psicologo, fisioterapeuta, melhor amiga,
remédio, meditação, homeopatia, alongamento,
benzedeira, grupo de oração, biopsia.
Acho que a dor foi bem tratada,
apalpada, analisada, observada,
e até desacreditada por alguns,
mas ainda permanece aqui,
Não me lembro
dentro da barriga da minha mãe,
talvez ela estivesse ou não,
talvez fosse a dor da minha mãe
ser novamente mãe,
mãe tristonha, sem motivação, bipolar,
carregada pela correnteza da vida sem graça.
Talvez seja um resquício
do que ela sofreu,
e eu mais do que senti ou pressenti,
o acabei com dor é verdade,
foi uma dor ininterrupta,
e isso me lembra que o tempo é irreal,
eu jogo a bola e ela volta para mim,
é a ciência da responsabilidade.
não temos uma relação de amizade
como vejo em algumas pessoas
com suas doenças,
ela me incomoda como um parente
que fala mal de você pelas costas.
e se existe um poço de recursos
onde ela bebe e se fortalece
mas ela permanece
sólida e coesa.
conselheira, lembrança contundente,
cala minha boca
quando eu poderia magoar outros,
me lembra da minha própria humanidade,
fragilidade, desconforto, solidão,
Dor que esta até no respirar,
levantar, sentar, comer, andar,
limpar a casa, escrever, pensar,
brincar com as cachorras.
E então ela me leva para a cama
mais fundo do que minha consciência,
mais fundo do que meus ossos
que parecem se partir,
e quando não tem mais nada de eu,
ai então não encontro a dor,
nesse lugar vazio de conceitos,
flutuando ao sabor do nada
finalmente estou sozinha,
sem pressões, mortificação e cobrança,
sem coisas que estrangulam e cansam,
de todas boas e más sandras.