quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Douta


Antigas batalhas épicas me perseguem
entre o quarto e a cozinha
mordendo meus calcanhares
famintas como um lobo perdido da matilha


Corro para a sala tentando me desviar 

dos dardos-pensamentos-acusações-permissões
sentindo as mãos ávidas das respostas
rasgando minha roupa das mentiras funcionais


Não quero gritar a tanto tempo que não consigo

não consigo chorar sem a presença de um ouvinte
só a observação-mórbida-procurando-permissão
traz de volta a minha humanidade escondida


Vou passando ao largo da pessoa que se nomeia 

rindo da sua fragilidade-infantil-desorientada-narcisista
o tipo de futilidade profunda que demora anos para construir
finalmente a vejo ali de todas tantas formas que já fui


No meio da crueza sanguinolenta estupida

paro para uma pausa encefálica 
um momento de foto para a posteridade
aquele antes de torcer o pé em que já sentimos a tontura


Antigas batalhas épicas me perseguem com seus gritos

hurras pulsos chacoalho som de estilhaços e esguichos
o indescritível odor do descontrole da dominação
suor sangue carne lágrimas aço espadas


Então naquele canto meio cego a esquerda a vejo

mulher desnuda guache tela aberta esvoaçante
finalmente sem estar insistentemente sendo outra
naturalmente desamada desalmada desafiante desarmada douta



San, 15/12/2016