quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cotidiano de fogo




Nem sempre as coisas funcionam bem,
fazem o que devem fazer,
tem sentido, se mantem,
ajudam o que devem ajudar,
não atrapalham naquilo que temos que fazer.

Nem sempre o corpo aguenta,
o tempo ensina,
os bons sentimentos estão ali presente,
as coisas parecem coerentes,
as atitudes são diretas e
contundentes.

Nem sempre o bolo cresce,
a palavra de conciliação desponta,
o fermento dá conta,
a contabilidade é exata,
a leitura renova e esclarece,
a descoberta liberta e acrescenta.

Nem sempre a resposta vem na lata,
o coração entende a mensagem,
o antigo respeito se manifesta,
a corrida interrompe
para acolher e ouvir o outro,
a mão se estende na ajuda.

Nem sempre a coisa muda,
toma outra direção,
refaz sua intenção,
e ai o cansaço vence,
vem a dor chata e persistente,
os olhos coçam e embaçam,
vem a raiva, a impaciência, a solidão intrusa.

Mas nem sempre o dia é triste,
sem cor, sem motivação, sem magica,
as vezes é pleno, surpreendente, ritmado,
cheio de musica, dança, pães que crescem,
amigos que telefonam, noticias que aquecem,
nem sempre existe um culpado.

San, 29/12/2010

Movimento




Nada mudou,
tudo mudou,
nuvens passaram,
o vento soprou,
a musica tocou dois minutos,
o silêncio veio manso.

E o movimento continua,
meu impulso de viver,
subir, descer, entrar, sair,
dos sótãos, quartos,
corredores labirintos.

Agora alcanço os descampados,
onde existe apenas eu mesma,
tão nua de antes,
tão sem nada de ninguém,
me empurrando através do tempo.

Meu próprio tempo,
meu próprio vento,
meu próprio consentimento,
apagando toda a memória de ser alguém,
de tantos a quem magoei,
liberei, assustei, amei, cativei, odiei,
amparei, neguei, afastei, desorientei.

E assim novo movimento,
vou dançando nova musica,
novo lugar,
nova forma de existir
ou de acabar.


San, 28/12/10

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

SAMADHI


Eu proponho o adormecimento,
sair do estado de alerta,
ideias, fé, conceitos, direção.

Ser tomado por um sono profundo,
sem imagens, sensações, cotidiano,
sem conhecimento de si ou do outro,
sem saber do corpo, do ontem,
sem despertador.

Deitar assim sem expectativas,
se afastando de tudo
identidade, desejo,
proposta, meta, objetivo.

Nada seja, nada veja, nada busque,
nada encontre no nada que lhe abraça,
apenas se misture a essa graça
do interromper da consciência.


San, 10/10/10

Todas as coisas dizem "Não"



Todos os sabores 
se perderam abruptamente,
como uma chuva de pedra 
caindo em meio a sala.

E assim eu inventei o prazer 
daquilo que nada tem
nem substância, nem cheiro, 
nem acido, doce ou azedo.

Tolhida estou pelo inexorável e curto
caminho das dores cotidianas,
passagem estreita entre a perda e a cura,
um alfinete que pinica e não se acha
e se encontra mas não se tira.

Eu sou uma pessoa de sentir,
mesmo depois de sair da barriga da mãe
nada mais aprendi a fazer.

Tenho sentido a tanto tempo
que me agreguei a todos os sabores
até mesmo os desagradáveis.

Então agora eu perdi meu alguém,
é de difícil entender a quem se expressa
por tantos outros mecanismos,
aquele que vê a vida, 
cheira, toca, pondera, escuta,
tantas dimensões existem
mas eu sempre fui uma especialista.

E esse é o perigo do mergulho profundo,
talvez nunca se volte,
talvez nunca se adapte a superfície.



San, 22/11/10

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ato de fé em meu próprio coração



Não se abale, não se perca, nada tema,
piores ventos sopraram pela sua casa,
agitaram as cortinas e emoções,
bateram na porta do dia a dia, 
e mesmo que lhe pareça
tão longos momentos
tudo se foi.

Conhecimentos agora você tem
muitas dores, 
tantas circunstâncias,
nem por isso você é dor.

Crescer é um ato de descobrir e usar
todas as cores que pintamos a vida
e lembrar que nem todas
são claros tons.

Às vezes nos deparamos com situações
em que ficamos a beira da desintegração, 
mas como a areia da praia,
cada grão constrói uma enseada,
ainda confio em você.



San, 21/07/05

PARA COMPOR A VIDA



Para compor a VIDA
é necessário um tanto de VERDADE,
um pouco de INCOMODO,
DETERMINAÇÃO em baldes,
ACEITAÇÃO em termos.

Como uma colcha de retalho,
em que pedaços desconexos,
isolados e tão diferentes,
vão compondo coisas coerentes,
e assim tudo tem sua função,
lugar e motivo no final.

Para compor a VIDA
vamos precisar de uma pitada de VIGOR,
uma imprescindível INCOERÊNCIA,
DIÁLOGO certamente,
AMPLITUDE em todos os momentos.

Bordando,
ponto a ponto,
tão imperceptível,
apertadinho,
dia a dia,
monótono movimento,
imagens sonhadas,
coisas impossíveis.

Para compor a VIDA
VARIAÇÃO é necessária,
IDONEIDADE em alguma coisa,
DESTEMOR e até, por que não, DESATINO,
ASSIMILAÇÃO, ATUAÇÃO, APROXIMAÇÃO.

Como uma semente dormitando
esperando o melhor momento,
terra, água, luz,
despreendimento,
esperança,
o primeiro movimento.

Para compor a VIDA
mesmo que seja já velho,
vivido e vacinado,
não tem formula melhor
do que abandonar os vícios,
velhos hábitos emocionais
que translamos de tanta gente,
enfrentar as vicissitudes,
se vincular apenas ao que dá paz e confiança.

IDEALIZAR é realmente importante,
mas Ideologias devem ser libertadoras
e não limitantes,
não se prender a idade,
identidade, idolatria,
manter em mente o senso de IGUALDADE,
tudo mais é ilusão.

Se desligar de coisas daninhas,
desqualificantes, descartáveis, degeneradas,
não ter medo de usar da DELICADEZA,
se permitir o DELEITE.

Pois a vida é isso,
realizada com APRUMO,
APTIDÃO, AMBIENTAÇÃO,
algumas gotas de ANARQUIA,
AUXILIO sempre é bem vindo,
e grandes doses de AMOR.

San, 22/12/2004

domingo, 4 de julho de 2010

NEFERTITI


As margaridas 
morrem de frio
no seu alpendre moderno
eu conheço profundamente
todos seus céus e infernos,
em cada um eu fui santa,
bruxa, magica, bandida,
destruí muitas certezas
construí novas saídas.

No seu quarto aberto
vazado para o infinito
ainda posso ouvir
seus murmúrios, 
gemidos e gritos,
construí com fogo e água
todos os novos mitos.


E assim que passarmos
a linha imaginaria da dor
alcançaremos a lendária
ilha perdida do amor.


E nela encontraremos Nefertiti a bela
ainda embalsamada,
hoje ela é apenas uma sombra
esquecida embaixo da escada.


Mais do que posso dizer
posso em meu corpo mostrar
as facas da sua saudade
estão a me torturar.


E as margaridas secam lá fora,
sem água, abrigo, poesia,
não importa a mais ninguém
que venha um novo dia.



San, 06/09/2005

Apocalipse



Me desprendo de toda dor
e mergulho para a luz,
morrendo e renascendo,
viverei apenas para aquilo que é real,
abandono agora minha escuridão.

Escute minha voz a lhe gritar :
- Venha ! Venha comigo !
Somos diferentes corpos
ocupando um único espaço,
seremos sempre eu e você !

Escuto sua voz a me pedir :
- Fique ! Fique comigo !
Somos um único corpo
ocupando diferentes espaços,
só sobreviverei se for eu e você !

E então me desprendo do seu corpo
e mergulho para a luz,
morrendo e renascendo
apenas para aquilo que é real,
abandono agora minha escuridão.


San, 13/12/1978