quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Clube da Poesia


Poesia não se come,
poesia não se bebe,
poesia não se veste,
poesia não se habita,
mas a poesia habilita 
a guiar carros fantasmas
por estradas de sonhos.

Poesia 
esse inútil precioso,
serve para liberar
o que esta preso,
e conter aquilo 
que é etéreo,
rainha dos paradoxos,
disparate da cognição.

É feita em letras, 
suspiros,
fonemas,
desejos,
verbos,
lágrimas,
adjetivos,
risadas,
pronomes,
linguagem dos insanos
mergulhados 
no maravilhoso.


San, 31/10/2014

Do mundo


Quero meu corpo, mente, espirito,
conectado e presente a toda criação,
e não aprisionado
em pequenas caixas brilhantes
que tocam musicas
e carregam palavras
de seres distantes e distintos,
atordoados e inconscientes
do movimento de toda vida.

Não sou uma pessoa tecnológica
mantenho com a vida uma relação analógica,
curiosa, apaixonada, festiva, anacrônica,
que necessita do toque,
odor, sabor, profundidade, 
percepção em todas dimensões,
experiência direta em tempo real.

Não posso mastigar pela boca alheia,
sentir a textura a mil quilômetros,
vibrar com as fibras de outro coração,
entender por outra mente,
realizar por outras mãos.

Não sou uma pessoa do mundo
sou uma pessoa para o mundo,
para o vasto mundo 
que aguarda ansioso 
corajosos e destemidos andarilhos
de forma presente,
corpo, mente, espirito,
sem garantias,
sem guias,
novos desbravadores.



San, 30/10/2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Boca costurada, coração aberto


Quando era criança
diziam que eu falava demais,
perguntava demais,
incomodava demais
com minha curiosidade. 

Fique quieta!


Ouvia de tanta gente adulta,
as vezes ate mesmo
das outras crianças.


Um dia minha mãe me disse

que tinha vontade
de costurar minha boca.


De noite

um grande silêncio
caiu sobre mim
e foi nesse dia
que eu comecei
a fazer poesia.


Não tem como costurar

a boca da poesia,
não tem como realmente
calar os poetas.




San, 21/02/1982

domingo, 19 de outubro de 2014

Desterro


Eu fui feita com poesia e vinho
ao som de um violino.

Estava marcada desde o princípio
a loucura e o vazio.

Não quero mais procurar
senso no seu falar.

Não quero mais encontrar
espaço nesse lugar.

Eu fui feita com sangue e vinho
ao som de um violino.

Estava certo desde o princípio
um difícil destino.

Não quero mais procurar
amor nesse lugar.

Não quero mais encontrar 
justiça nesse lugar.


San, 18/10/2014

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Milhões de estrelas


Já vi milhares de luas 
e milhões de estrelas
já dormi de vestido de noiva, 
com sapatos, laquê e a boca vermelha,
já dormi nua, descalça, descabelada
beijando alguém,
já dormi com medo,
com expectativa, com desejo, aborrecida,
já dormi pesado, leve, breve segundos,
já dormi no chão, na cama, no tapete,
na cadeira, na rede, na esteira, 
já dormi no carro, ônibus, avião, barco,
dormi uma vida e meia,
já dormi milhares de vezes
mas nunca acordei.


San, 14/10/2014

Indecente



Acorda poesia
escova os dentes
respingue o sol
no meu corpo
atice na mente
a vontade de soletrar
PROCURAR
e então me venha
com histórias curtas
absurdas
bisonhas
me faça companhia
até a tarde
e sem fazer alarde
saia voando
bela, desnuda, indecente


San, 14/10/2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Il tempo non è denaro, il tempo è poesia


Desapegue-se criatura
pois a poesia já está madura
e preparada para o seu voo.

Deixe que tome seu curso,
direção impensada,
sem o controle 
da sua conformidade.

Não importa se alcançara altura
ou cairá no quintal do vizinho,
se será vista por muitos
ou apenas um único ser vivente,
se chegará inteira
ou cortada em partes,
se pousará de manhã 
ou mais tarde.

Desapegue-se criatura
pois a poesia está na hora,
está madura.


San, 13/10/2014

Prema




Você virou a esquina
bem antes de mim,
teria mesmo que ser assim
porque você sempre foi
apaixonada pela aventura.

Nunca teve medo
de habitar outra casa, 
de tomar outro rumo,
de largar esse corpo,
virar luz 
e me fazer chorar.

E eu fiquei 
nessa larga avenida
olhando as meninas
que passam 
com suas bicicletas 
cor de rosa,
lhe amando
a distância. 


Perdi meu telhado
ficaram as estrelas
cantando de longe
a sua lembrança.

Seu brilho 
ainda me alcança,
seu calor 
ainda me alcança,
sua força 
ainda me alcança,
em bilhões de combinações.


San, 12/10/2013

Mother Blues


Mãe
cansei da nossa guerra 
de palavras
incongruentes
afiadas, magoadas,
precipitadas
por motivos banais,
a qualquer hora do dia,
em todos lugares.

Mãe,
tento ficado surda
para não lhe ver,
tento ficado cega
para não brigar com você,
mas mesmo assim 
você se irrita
com meu silencio,
minha simples presença
é como uma facada
no seu pensamento.

Preciso urgente 
de uma longa viagem
para experimentar 
outra realidade,
sem tantas cobranças
e gente de autoridade
tentando me provar
minha absoluta falta 
de capacidade.

Mal consigo respirar,
pensar, desejar, criar,
estou totalmente bloqueada,
dar risada nem pensar,
minha alma coitada
já esta intoxicada.


San, 12/10/2014

domingo, 12 de outubro de 2014

As coisas vivas do mundo


Me despedaço 
parte por parte
me unindo as pessoas 
que vou conhecendo.

Observo e absorvo
palavras, cheiros, musicas
 detalhes mágicos,
me tornando também
um personagem.

Sim, eu lhe vejo
e me vejo
ponto a ponto
através de seus olhos
sonâmbulos.

Sim, eu lhe sinto
e me sinto através de você,
mergulhando na ficção
das suas memórias.

Por isso me isolo
eu sou a cola
que se impregna
e se empresta
as coisas vivas
do mundo.


San, 01/01/2014

Quase deuses


Restaram apenas lembranças
de dias ensolarados
tão belos, longos,
tão plenos de contentamento.

Nunca mais tive dias tão perfeitos,
nunca mais tive abraços tão amigos,
tão carregados de alegria,
e despojados de cobranças.

Quando o mundo virou 
de cabeça para baixo
pouco a pouco 
um a um
fomos caindo.

Agora vejo que perdi
coisas tão preciosas
pedaços de mim mesma
que nem mesmo reconheci.

Restaram apenas lembranças
de todos dias mágicos
que nós quatro criamos.


San, 17/10/2014

Maybe


Se não fosse tão tarde.
se não tivesse tanta dor,
o vento fosse ameno
e a terra fértil.

Poderia agora me deitar
no tapete felpudo 
da nossa sala de estar.

E ler todas poesias
de amor e encantamento
que eu nunca fiz.

Talvez

Se não tivesse anoitecido
se não tivesse tanto medo.
se não tivesse morrido.

San, 17/10/2014