quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Sufocando



Às vezes acordo sincera

e não faço porra alguma

para que tanto esforço

de chegar mais perto

de nada?



Às vezes acordo assombrada

e corro a realizar algo

mesmo banal ou frugal

preciso sentir o movimento

pois lá dentro tem 

muita coisa parada

definhando



As vezes acordo paranoica

então vou dar uma volta

tentando me perder por ai

e retornar com algo mais suave

que possa levar para outro dia



As vezes nem sei se acordo

nem sei se estava dormindo

nem sei se sou eu

nem sei se é

alguma coisa além

do nada

entre respirações





San, 29/01/2020

Velhos mapas



Pai e mãe
onde eu cheguei?

Empurrada por seus planos
secretos planos
cheios de medos 
e conflitos do seus corações

Pai e mãe
onde eu cheguei?

Sem saber fui tateando
entre as bombas e armadilhas
que foram deixando
no meu dia a dia

Pai e mãe
onde eu cheguei?

E depois de tantos anos
e tantos danos e arroubos
nem lembro mais o que queria
nem sei mais o que podia ter feito
sem a marcação da dor 
de vocês

Pai e mãe
onde eu cheguei?




San, 29/01/2020

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Direito ao silêncio



As palavras se juntam
para nos enganar

As palavras se juntam
para nos limitar

As palavras se juntam
para nos dominar

As palavras se juntam
para nos encrencar

As palavras
são meras 
invenções
de alguém
que não sabia mais
usar o coração

As palavras
são meras
ilusões
de quem esqueceu
como ser inteiro

Eu uso as palavras
ou são elas que me usam?

E seu ficar calado
será que não mais existo?

Tanto escrita 
como cantada ou dita
mesmo nessa poesia

As palavras
são cortes

As palavras
são a morte

E se você tiver muita sorte
talvez consiga alcançar
além das palavras



San, 23/01/2020

Pretend



Eu ainda não chorei o suficiente
tenho medo de me desmanchar
como um papel molhado

Eu ainda não briguei o suficiente
tenho medo de ficar tão descontrolada
que a vida em si não tenha mais sentido

Eu ainda não amei o suficiente
talvez porque o amor sempre faça chorar
e brigar na mesma proporção

Eu ainda não ri o suficiente
é preciso chorar primeiro
é preciso brigar primeiro
é preciso amar primeiro
é preciso ser
alguma coisa



San, 23/01/2020

Adult life rites



Não tenho certeza 
das minhas palavras
eu também falho

E quando isso acontece
poucas vezes percebo
e nem sempre sou alertada

Faço planos incríveis
que todas as vezes dão certo
no papel

A vida real
parece ser minha madrasta
nunca minha mãezinha

Me viro com que consigo
mas continuo a perseguir
o impossível

Ser feliz é um mito
e todas tarefas são ritos
para chegar nessa ilusória coisa



San, 23/01/2020

Always lost



Quase sempre
manter uma postura
dá uma imensa gastura

Viver para os olhos dos outros
e não se sentir feliz
leva a vida por um triz

Quisera conseguir dizer 
a quem viesse bisbilhotar
Toma seu lugar!

Mas enfim
fui educada assim
triste mas nunca malcriada

Por isso que as vezes
meu corpo dá esses panes de repente
e me permite chorar, reclamar, abusar

Lembrar inclusive
que a vida é tão breve
inútil tanta preocupação

Sou e não sou
aquilo que imagino ou criei
que projeto e aceitei

Por que pagar de boazinha
se sou apenas uma perdida
nessa vida sozinha?



San, 23/01/2020

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Efeitos dos defeitos



Entre os caminhos da raiva
da dor e ansiedade
existe uma passagem
que você só enxerga
quando não esta em si
não se leva a serio no seu drama
desapega da sua identidade

Mas se você se agarra
ao meu, para mim, de mim, 
e por que assim?
nunca a encontrará
será como um mito
uma miragem



San, 16/01/2020

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Aquarela



Eu queria que você ficasse

mais um pouco

mais 10 anos

toda a vida

até as próximas



Só que não posso confiar

em nada além 

da impermanência



Chega dessa carência

dessa persistência

no vazio

corpo frio

copo cheio

ansiedade e medos



Eu queria

muita coisa

muito tempo 

mas tudo já ficou para trás

e assim tenho que ir

em frente

resolutamente




San, 15/01/2020

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Flagellation



Como pedir ajuda ao meu corpo
se o continuo machucando

como pedir perdão
se o continuo torturando

Eu bato pregos na minha cabeça
e depois reclamo da dor

Tiro unhas com alicate
e depois fico lambendo
as pontas do dedo
tentando estancar
o sangramento

São hábitos absurdos
abusos diários
conformação
a insalubridade

Nunca fui minha aliada
e sim maior inimiga



San, 14/01/2020


La cuisine de l'enfer



A vida tem consequências
temporárias
e permanentes

sofremos muito mais
pelas temporárias

pois esquecemos 
as que se tornaram
permanentes

Por isso eu tenho
um bloquinho de anotações
sempre ao lado

E vou marcando
com poucas palavras

o resultado dessas somas loucas
que se tornam subtrações
com o passar dos anos

Minha mente esquecerá
mas nunca meu corpo

com uma forma torta de bolo
muda a massa e o recheio

mas continua o mesmo bolo
desnivelado, torto, murcho
com as beiradas 
estranhas



San, 14/01/2020


Plein de Merde



Tomei a decisão resoluta
de não mandar mais ninguém a merda

mas convidar a todos
a experimentar
a merda em que vivo

Assim quem sabe poderiam 
finalmente entender

minha impaciência
rudeza, insatisfação
e constantes admoestações

Dentro da minha merda
perceberiam o contexto

e parariam finalmente
de tentar me adoçar
com frases de efeito
e palavras vazias

Não quero um berço
e nem um terço

quero um espaço livre
sem esse cheiro
sem essa dor


San, 14/01/2020

Emprisonné



Como ser livre pensadora
se penso a partir de tijolos de idéias
que outros idealizaram
e montaram

falo um idioma inventado por alguém
e aceito por tantos outros quantos
até se tornar algo além de uma mentira

até adquirir uma substância
e ganhar o verniz de aceitação

Não tem nada de novo no que digo
reflito, analiso, elaboro, degusto, cuspo

não tem nada de novo 
nas minhas poesias

é a velha dor conhecida 
são os mesmos absurdos 
da condição de vida

Como pensar livremente
se estou agarrada a essa rocha
cheia de musgos e cracas
do pensamento
humano


San, 14/01/2020

Refugio



Sopra um vento fortíssimo lá fora
não consigo escutar nada além desse som

Me refugio em cavernas 
para tenta me equilibrar

Repito mantras
assisto filmes
leio e medito
durmo o dia todo

Estou sempre escondida
sempre me protegendo

Até mesmo de você
de vocês todos
que são parte desse vento
me atingindo, 
me cortando, 
me intoxicando

Não quero seu abraço
suas palavras de elogio
ou apoio emocional

Você é pedra, cascalho, folha
dentro do turbilhão de vento
por favor se afaste

Sempre me protegendo
sempre me protegendo
sempre me protegendo



San, 14/01/2020

Daily Work



Tento amaciar as palavras
duras, cortantes, desestabilizadoras
que moram na minha mente

Vivo numa realidade idealizada
que se esfarela como uma parede podre
caindo a minha volta
marcando todas minhas pegadas

O céu e o inferno
estão na mesma pintura
que se sobrepõe

A cada hora abraço
uma ideia, uma sensação
tremo com seus impulsos
apesar de continuar
absolutamente imóvel

Me exponho
e sinto frio e raiva 
pela minha nudez

Ataco todos que estão 
com suas capas impermeáveis
de mentiras confortáveis
e falsas soluções

Me odeio e me amo
na mesma proporção

Por muito tempo evoluir
foi se livrar de mim mesma
hoje não invisto mais
nessa possibilidade

As coisas do mundo humano
 são burras, limitadas, torpes, mesquinhas
absurdamente confortáveis




San, 14/01/2020


quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Viagem



As pessoas que perdi 
não me assombram mais

Não me lembro do seus cheiros
tom de voz, palavras boas ou duras,
intenção, sonhos, loucuras compartilhadas

Não lembro mais de nada

Não são mais sombras
ou lembranças proibidas
não são mais desculpas
nem coisas mal resolvidas

Foram completamente diluídas
no tempo do envelhecimento

voaram com o vento do outono
como algumas outras tantas coisas

As pessoas que perdi
não me importunam mais



San, 08/01/2020




Paris



Janeiro poderia morrer
não faria falta

Alias de tudo que é inventado
e levamos tão ridiculamente a sério
a besteira maior é o calendário

Janeiro precisa morrer

E seria enfim um tempo apreciado
de outra forma
pelas palavras, feitos, suspiros
encontros e desencontros

Seria um tempo mais de acordo
com nossa raiz animal
que tanto negamos

De primaveras e outonos
invernos e verões
plantar e colher
nascer e morrer

Janeiro poderia morrer
não significaria nada



San, ............qualquer data do mundo

Existencial



Cansei de sustentar 
as mentiras que criei
é muito peso por muito tempo

Lembrar de coisas
que nunca aconteceram
mas são mais significativas
que a verdade

De explicar, replicar, ampliar, confirmar
tudo aquilo que já poderia
ter caído no esquecimento
e desaparecido

Porque essa é uma vida banal
como todas as vidas banais

Cansei de sustentar algo
que vai desaparecer
tão rapidamente



San, 08/01/2020