sábado, 22 de abril de 2017

Notas da prisão 3


Olhar para baixo
é a unica forma de alivio

Eu sofro o achatamento
pelo peso da dor da minha mãe
pela raiva latente do meu pai
pelo descaso dos parentes
pelo desprezo dos vizinho
pela inércia da sociedade
pela maldade diária
de todos
para todos
e com todos

Por que ter grandes sonhos
se meus braços são fracos
a espinha verga quebradiça
e meu pescoço invalido
não segura minha cabeça
tosca e vazia e doente?

Eu murmuro quando me permitem
eu grito quando me esvazio
eu deito quando me esqueço

Eu existo e não existo
não tenho fim ou começo
sem identidade
nem permissão para tanto
pano de trapo sem função

Olhar para baixo
é a unica forma
de alívio


San, 22/04/2017

Notas da prisão 2



Se ainda caminho livre
é porque não fui longe o suficiente

Se os sons saem da minha boca
sem um choque intenso e curto
é porque não estou falando de nada
são banalidades permitidas e estimuladas

Uma vez cheguei a beira do abismo
e a beleza era surpreende  
intensa e envolvente
por isso entendo quem se arremete
quase aconteceu comigo 
mas não sou assim tão livre
corajosa, impávida, louca-transcendente

Se ainda escrevo todos os dias
é porque não cheguei ao amago da letra
naquele ponto onde se escreve com sangue vivo
o mesmo que todos os dias pinga das sarjetas

Não cheguei a nada que toque 
o medo intenso de ser dilacerado
a raiva profunda de não poder dilacerar
a paz de ter sido finalmente derrubado



San, 22/04/2017


Notas de fora da prisão 1



Eu não sei agradecer

Não sei a forma
a intensidade
a hora

Não fui educada
para agradecer

Quem é que agradece
tomar pancadas?

Eu não sei agradecer

Não sei quanto
não sei como
não sei começar

Para mim mesma
 bastaria o silêncio
e um olhar compassivo
já é terno e seguro
o suficiente

Quem é que agradece
ser constantemente desprezado
por ter sido parido ao acaso?


San, 22/04/2017


quarta-feira, 19 de abril de 2017

Nua



Não sou mais a mulher da resposta
a criança da soma de cabeça
a ameba flutuando 
no meio liquido
cretino

Não sou

Quero usar partes inesperadas
da minha vida estranha 
brilhante e inacabada
sozinha eterna

Acendo a luz

E uma revoada de intensas loucas ideias
se lançam famintas apressadas
atras de todo néctar
por onde vou

Eu Sou


San, 19/04/2017

Como é viver com esquizofrenia


As vezes você entende que é doente
as vezes você não entende

Quando você entende dói muito
quando você não entende dói todos

Eu não fiz nenhuma promessa antes de nascer
nunca tive um plano linear e bem urdido

As vezes eles não entendem que tem nexo
as vezes você mesmo não percebe

E quando dói por um motivo legitimo apenas dói
mas quando desconheço dói todos

Não fui eu que deitei naquela cama
procurando prazer ou drama ou esquecer tudo

Eu sou o resultado desse ato banal irrefletido
eu sou um zero constantemente construído 



San 19/04/2017


Esquizo



Todas as coisas estúpidas
e todas as coisas brilhantes
bebem no mesmo copo
dividem o mesmo corpo

O que eu fiz, vivi, quis
incerto e inacabado
em constante movimento

Eu corro por um corredor estreito
fechaduras que não fecham
portas que se abrem

Todas as coisas brilhantes
e todas as coisas estupidas
geraram e foram geradas
pela mesma substância

O que eu sei, vi, senti
mutável e imponderável
crescente e inoperável

Perdido nesse lugar
eu vi uma dançarina
balançando ao vento
de todos meus sentimentos

Se eu fosse como uma arvore
me aterraria no solo
como um velho carvalho


San, 19/04/2017