sexta-feira, 16 de maio de 2014

Ainda dói as sextas feiras

Eu lhe dei 
meu coração.

E o que você fez 
com ele então?

Pesou, mediu, 
cortou em filetes 
e analisou.

Meses sem fim 
o observou 
no seu potente 
microscópio 
de ultra definição.

Dias inquiriu,
noites anotou,
dias comparou,
noites avaliou.

Então o pequeno
já dormente
foi considerado
incompetente
para lhe trazer a solução
das grandes questões
emocionais
do seu mundo particular.

Pensava eu 
que amor fosse algo 
imponderável,
irrestrito,
aberto,
expectante,
em crescente movimento.

Descobri que para lhe amar
é preciso uma ferramenta a mais
uma daquelas que são
extremamente raras
algo que somente os técnicos
mais experientes
podem captar a essência.

Meu coração torno,
meu coração chave inglesa.

Meu coração bico de bolo,
meu coração saladeira.

Meu coração vaso de flor,
meu coração pá de mexer terra.

Meu coração fita adesiva,
meu coração grampeador.

Meu coração ferrolho,
meu coração pé de mesa.

Meu coração garfo e faca,
meu coração frigideira.

Meu coração esferográfica,
meu coração apontador.

Meu coração lençol,
meu coração toalha.

Meu coração banal,
meu coração igual,
a tantos corações
que vivem por aí,
construindo casas,
criando filhos, 
pagando contas,
segurando a mão
na hora da injeção.

Meu coração incapaz 
de lhe dar 
o amor mistico, 
mágico, 
envolvente,
revelador,
meu coração igual
a tantos corações
que vivem por aí.


San, 16/05/2014